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31/03/2021 às 06:53
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Quirera Gourmet – 31/03/2021

Quirera Gourmet
Por: Romeu Scirea Filho
Imobiliária Fabiano Santos 137876

Lembranças de um Golpe Militar… Que queriam chamar de “Revolução”

Em 31 de março de 1964 eu tinha dez anos, cursava o quarto ano primário do Colégio La Salle, aluno do Professor Arlindo Trevisol. Passei o ano todo tentando, mas não consegui superar o melhor aluno da sala, o Antônio Carlos Pompermaier, filho do seo Antoninho e da Dona Didi, todos queridos amigos, até hoje. No final do ano passei no “exame de admissão”, e me habilitei a “fazer o ginásio” – coisa de gente grande! Mas não entendia, nem queria saber de política, governo, ditadura, comunismo e golpe militar. Meu mundo era da Avenida Brasil para trás, em direção ao Colégio Joaquim Nabuco e à então Vila Sapo – um extenso banhado que ia até o Jockey Clube Xanxerê, terreno sempre alagado pelo Rio Xanxerê, onde a gente pescava e caçava rã, levados por vizinhos, amigos e irmãos mais velhos.

Um Caminhão do Exército

Não lembro exatamente do dia 31, mas uma imagem daqueles dias nunca saiu da minha memória: Um grande caminhão verde oliva do Exército, com carroceria enlonada, estacionado em frente à casa de Adílío Fortes, ex-prefeito de Xanxerê, recolhia pessoas, que subiam no caminhão por uma prancha que servia de rampa, enquanto um soldado aos gritos mandava subir, “incentivando” com pontapés nos traseiros. Lembro de chutes numa mulher alta e encorpada, que eu sabia ser esposa de um dentista, reclamando e chorando, sendo chutada pelo militar e entrando no caminhão.  E não esqueço que foi a primeira vez que senti um clima de medo e de insegurança em Xanxerê, A imagem daquele caminhão e daquele soldado chutando o traseiro das pessoas, mandando para cima do caminhão é para mim a fotografia da ditadura militar…

“Grupo dos Onze”

A Rua Coronel Fidêncio de Souza Mello estava vazia, não teve aula no Nabuco, era um dia frio, de neblina baixa e fechada, com garoa fina. Me deu medo e corri de volta para dentro do terreno onde ficava a casa do Seo Mário Cassol, nos fundos da casa de meu pai. Depois, durante o almoço ouvi meu pai dizer que teria que iria ao Clube Xanxerense à tarde, pois fora convocado pelos militares para datilografar depoimentos de pessoas presas. A cidade não tinha emissora de rádio e as notícias eram escassas, especialmente para crianças, à época mantidas longe das “conversas de gente grande”. Depois eu soube que os presos faziam parte de um tal “grupo dos onze”, organizado por Brizola, que eu já sabia quem era por conta de meu Tio Ernesto, gaúcho, ex-prefeito de Encantado e à época brizolista, que também era meu padrinho. E quando vinha a Xanxerê almoçava lá em casa. As notícias para nós chegavam nas conversas durante o almoço, ou antes e depois, quando nos deixavam ficar por perto. Nelas ouvi que o grupo dos onze era formado por comunistas organizados por Brizola, que também tinha virado comunista.

Seo Adílio Fortes

E comunistas eram seres do mal, não acreditavam em Deus. E se tomassem conta do Brasil iriam perseguir os católicos, desapropriar e tomar casas e as propriedades de todo mundo! Nossa casa mesmo teria que ser dividida com outras famílias e ninguém mais seria dono de nada. Seria tudo do governo. E várias pessoas da cidade que eu conhecia ou que já tinha ouvido falar acabaram presas, deram depoimentos no clube e foram levados pelo Exército para Chapecó. Aquilo tudo me causou estranheza: Frequentava a casa do Seo Adílio, era amigo de seus filhos, brincávamos junto e eu simplesmente não conseguia acreditar que seo Adílio fosse comunista. E nunca ouvira que ele teria ido a Cuba. Mas ele foi um dos presos e mais tarde as conversas com a gurizada diziam inclusive que ele teria passado uma temporada em Cuba, treinando para derrubar o governo, e que era amigo de Fidel Castro. Deste também comunista eu já ouvira falar porque, diziam, implantou a ditadura em Cuba.

No “Paredón”

Dizia-se que Fidel costumava matar seus opositores mandando-os para um tal “paredón” onde eram fuzilados. Falavam que tais execuções, devido à escassez de munições eram feitas com uma bala de fuzil apenas: Enfileirados um atrás do outro, com um só tiro a bala de fuzil transpassava os corpos dos prisioneiros e matava vários com um disparo apenas. E matar, para um menino católico era pecado mortal, rendia passagem para o inferno. Lugar de comunistas…. Na época eu não sabia, mas um dos presos pelo Exército foi o (depois) Ex-vereador xanxerense Vitelmo Marques, já falecido. Nos anos seguintes ouvi que ele também era comunista, do grupo dos onze, com passagem e treinamento em Cuba. Vitelmo era marido de Dona Neusa Marques, professora conhecida e muito respeitada, diretora do Joaquim Nabuco. Seu filho mais velho, Ademir, da minha idade, era amigo de peladas no pátio do Nabuco e de pescarias no Rio Xanxerê, junto com Djon Cassol e outros meninos que frequentavam o entorno do colégio.

“Salvaram O Brasil do Comunismo”

Os seguintes anos que se seguiram passei atento às aulas do Ginásio no La Salle, agora em suas novas instalações, no recém-inaugurado “Colégio novo”, uma conquista para Xanxerê na época, construído com grande ajuda da comunidade. Lá em casa estudar era “de lei”, e tirar boas notas, passar sem exame, uma obrigação. Nem sempre cumprida, é verdade. Mas passei de 1964 a 1968 ouvindo falar barbaridades dos comunistas. E muito bem dos militares e dos governos da revolução, que “salvaram o Brasil do comunismo”. Mas em 1969, fui estudar em Curitiba, cursar o “científico” para fazer vestibular e entrar numa faculdade. Algo que meu pai não pode fazer, e queria que todos os filhos fizessem! Mas sobre os comunistas e capitalistas comecei a aprender ainda antes da faculdade. E sobre mentiras históricas, manipulações da imprensa e, principalmente, sobre a verdadeira história do Brasil!

AI -5 e Decreto 477

E com 14 anos fui morar com meu irmão mais velho – já acadêmico de Medicina, mais um primo e outro amigo aqui de Xanxerê. Em 1968, a ditadura – como então já era chamada, ao invés de “revolução” – engrossou o caldo: O famoso Ato Institucional número cinco (AI-5) fechou o Congresso Nacional, calou a boca de Judiciário e, através do Decreto lei 477 proibiu qualquer atividade política por parte de estudantes, principalmente, mas não só, dentro de universidades. O governo “da revolução” que os militares ao derrubar o governo eleito pelo povo prometeram que seria breve, resolveu gostar da brincadeira e não devolver o poder aos civis, conforme prometeram em 64.

”Governo Militar”

Ainda em 1969 comecei a frequentar e comprar revistas e jornais nas bancas de Curitiba. Foi aí que conheci O Pasquim, um dos melhores jornais que li, até hoje, e que fazia muitas críticas, reveladoras entrevistas e ácidas ironias com o “governo militar”, como então passou a ser o nome dos golpistas. Porque se falasse em “Ditadura Militar” – apesar de todas as evidências e comprovações dessa verdade, o “elemento subversivo” era sumariamente preso, e, muitas vezes, “desaparecido”. Ou seja: Era censurado até o nome real, do governo…E igual a 99% dos universitários da época, meu irmão e seus colegas que se reuniam no apartamento de meu tio, onde morávamos, eram radicalmente contrários à ditadura e aos “milicos”. Eles tinham amigos e conhecidos que tiveram que abandonar a faculdade e se esconder, para não serem presos e torturados.

Comunismo Zero!

Vem dessa época, de anos posteriores e de constantes leituras boa parte dos conceitos em que acredito, sobre Democracia, governos militares e propaganda enganosa, do Capitalismo contra o Comunismo, e vice-versa. Nunca acreditei na história de seo Adílio e de Vitelmo Marques serem comunistas. Nos anos 90 ouvi Seo Adílio em entrevista, que confirmou nunca ter nada de comunista…E já no início dos anos 2000 entrevistei Vitelmo Marques sobre esse período de triste memória, para ele, que foi preso e torturado, em Chapecó e em Curitiba, segundo me relatou. À época ele estava feliz: Acabara de receber indenização do Governo Brasileiro por sua arbitrária e totalmente injusta prisão, tortura e maus tratos, graças a competência de seu advogado, Dr. Aldo Brandalise. Teria mais a contar sobre o que ouvi dele, mas fica para outra oportunidade. Mas posso garantir: Vitelmo me confirmou que jamais pensou ou defendeu o comunismo, ou comunistas.

Nunca Mais

Era, sim, apoiador de Brizola e do grupo dos onze, cuja luta e razão de existir era apenas garantir a posse de João Goulart, vice-presidente eleito, depois que o Presidente Jânio Quadros renunciara. E os militares, já então acusando Jango de ser comunista, queriam “tomar conta” do governo, e do país…. O grupo dos onze conseguiu garantir a posse de Jango. Mas dois anos depois os militares deram o golpe. Ficaram 20 e poucos anos no poder. E devolveram o país aos civis em frangalhos, em situação de penúria: Inflação nas alturas, desemprego, falta de planejamento e grossa corrupção – que eles proibiam de ser divulgada, censurando a imprensa. Mas já existia. E o PT, vale informar, ainda nem havia sido criado. Essa é a tal “Revolução“ que eu vi. E que muitos ainda não gostam quando se diz seu nome verdadeiro: Ditadura militar! Por essas e outras eu repito: Ditadura, Nunca Mais!

 

 

 

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