Nunca fiquei tanto em casa como em 2020, meu primeiro ano na condição de cidadão aposentado, tentando decifrar e conviver com essa nova realidade que muitos esperam e também muitos rejeitam. Com previsíveis quilos a mais e mais tempo para se dedicar ao que nunca deu tempo – como voltar a tocar violão, por exemplo, passei o ano passou envolvido em fazer o que muitos aposentados desejam, teoricamente, fazer: Nada! Não é só para rir, é uma experiência nova que teve, a rigor, como único compromisso diário escrever Quirera Gourmet para tentar compartilhar minha visão do mundo com quem tem tempo e vontade para ler.
Descobri que até para fazer nada é necessário algum esforço, talvez mais por ser um ano que botou o planeta de pernas para o ar. E criou situações nunca antes vividas, por milhões de Humanos de todas as classes sociais, religiões, torcidas e ideologias, todos no mesmo barco. A única certeza sobre 2020 é a de que ele ficará para a história. História que ele marcou ao mostrar aos terráqueos que não somos tão superiores e inatingíveis quanto julgávamos ser. O considerado ser superior se trancou em casa, deu chabu, teve que usar máscara e não aglomerar, entre outras restrições jamais previstas, nem pelos célebres profetas do apocalipse, nem pelos astrólogos de todo final e ano. Este 2020 tem vários ingredientes do livro de Zuenir Ventura, “1968, o ano que não terminou”. Acredito que teremos mais um ano que ainda vai demorar para chegar ao fim…
Estamos sobrevivendo contra a única Pandemia dos últimos cem anos, vencemos uma batalha, mas ainda não vencemos a guerra contra uma doença desconhecida, até pelos mais bem preparados homens ada Ciência. Tivemos, no mundo todo, péssimas demonstrações de desumanidades, de crendices e de ignorâncias. Crendices e ignorâncias que muitos acreditaram e difundiram através “fake news” – o novíssimo nome da mentira, agora em inglês, para que todos soubessem que isso de enganar, mentir, iludir e manipular a verdade dos fatos é fenômeno universal. Já as demonstrações de desumanidade não são ‘novidades de 2020’, elas vêm ocorrendo há décadas, sempre num ritmo crescente, sem que tenhamos feito algo para contê-las.
2020 também trouxe de volta o final da década de 1990, quando muitos esperavam, ou temiam que o mundo acabasse. O fim do mundo é paranoia que vem e vai, pode-se dizer que ao sabor de raros acontecimentos globais, como uma Pandemia, ou como uma guerra que envolvesse a maior parte dos países. Meu medo não é assim pelo “fim do mundo” que conhecemos. Meu maior temor é que a raça humana acabe se auto extinguindo no planeta – a “nossa casa”! Lugar que continuamos teimando em destruir, apesar de muitos sinais e avisos, vindos de muitos estudiosos e cientistas, baseados em evidências indiscutíveis. Mas o ceticismo e o dinheiro, principalmente o dinheiro, e o poder que ele propicia “não acreditam nessas coisas”…
Ouvi esses dias a pergunta sobre a origem do novo Coronavírus, cuja resposta profetas do apocalipse e ignorantes especialistas em teorias de conspiração atribuem aos chineses. O novo vírus, surgiu, e ainda vou ver alguém provar isso como dois e dois são quatro, na esteira da destruição e do desrespeito ao equilíbrio do ambiente natural do planeta. Não é a descoberta da pólvora, é uma prosaica constatação fácil de se ver, diante da propalada e endeusada superioridade humana sobre a natureza! Também achei curioso ler que muitas pessoas vivem no Planeta Terra “só para fazer peso” e, por extensão, aumentar a destruição da natureza. Tais espécimes existem, mesmo! E não são reserva de mercado de aposentados! Eu, ao menos, me esforço para fazer as pessoas pensarem sobre “essas coisas”!
Criticar a ganância, arrogância, estupidez e a autossuficiência de seres humanos é uma antiga batalha, na História da Humanidade. Mas – dizem – os imbecis são muitos, e não param de aumentar sua população. E muitos, sem ter capacidade, nem vontade de entender as esferas que movem a sociedade humana e o tal comportamento do “politicamente correto”, revoltam-se contra verdades e saberes hoje indiscutíveis. Passam a renegar o conhecimento acumulado por gerações e duvidam, discordam, renegam a Ciência. Pior que isso: Colocam no lugar dela, Deus! Não sou ateu, nem agnóstico, mas não consigo ver esse Deus invocado diariamente, por milhões de humanos – feitos à sua imagem e semelhança, dizem os livros – para resolver todos e quaisquer problemas! O Deus em que acredito não está acima de nós. Ele está dentro de nós mesmos. Somos parte dele! Apelar – por qualquer motivo e sempre – para esse Deus superior é só um jeitinho de livrar nossa própria cara, pelos erros que cometemos!
Não sou profeta, nem astrólogo, nem guru, nem mesmo um reles cientista. Mas acredito que alguma coisa vai acontecer para mostrar a muitos que Deus anda de saco cheio com tanta gente apelando a ele, todos os dias, por todos os motivos, para que ele intervenha em suas vidas e os livre dos problemas, das doenças, dos sacrifícios, das injustiças e das dificuldades em conseguir levar uma vida digna. Do jeito em que andam as coisas, daqui a pouco se o cara tiver uma dor-de-barriga ao invés de procurar se tratar ele vai correr para a igreja, rezar e pedir a Deus que o livre desse terrível mal! Sinceramente, se eu fosse Deus recolocava certas coisas no seu devido lugar. Deus nos deu a régua e o compasso e “o meu caminho pelo mundo, eu mesmo traço” – como disse Gilberto Gil, há muitos anos atrás, referindo-se ao seu Deus, a Bahia, que ele leva por onde for!
Mas acredito que 2021 vai ser bem melhor, e que haverá sim, alguma luz a iluminar os caminhos de quem está completamente às escuras, apelando para Deus por não querer acreditar em mais nada. Nem nele mesmo. E se nós não acreditarmos em nós mesmos, não haverá Deus capaz de dar jeito! É preciso parar de pensar que podemos ficar sentados, de braços cruzados, sem fazer a nossa parte! Da parte que me cabe, venho tentando entender tanta gente sem fé em si mesmo, que colocam tudo nas costas de Deus. É uma covardia e uma grande falsidade isso. Se a pessoa não ajuda a si mesmo, como tem coragem de pedir que Deus venha ajuda-lo? É muita cretinice, excesso de cara-de-pau, somadas à crendice que só Deus é capaz de nos salvar! Salve-se você mesmo, Fariseu! E depois agradeça a Deus por tê-lo permitido a conquistar sua própria salvação!
(O título desta coluna remete ao livro de Zuenir Ventura, escrito em 1989, com o título “1968, o ano que não terminou”, onde o Jornalista e Escritor comenta os acontecimentos nacionais e mundiais de um ano que até hoje despeja suas consequências sobre nós. É um livro obrigatório, que teve edição atualizada em 20016. Leia!)