Bandido por bandido, Xanxerê e o Oeste também tiveram os seus, e bem famosos, lá pelos anos de 1960 e balas, ou antes, quando a Campina da Cascavel ainda era a famosa “Capital do Gatilho”. Nessa época as mães de filhos menores – incluindo Dona Alice, a minha – não permitiam que seus filhos saíssem à rua sem avisar e sem dizer para onde estavam indo. E tinham hora para voltar – “um pé lá, outro cá” – porque as ruas não eram lugar seguro para a “piazada”. Que eu lembre os bandidos ‘top’ da época – bem mais mal falados que esse já abatido Lázaro Barbosa eram Nino e o Raul Teixeira.
Quando ambos foram mortos, não sei se juntos ou não, nem onde – mas acho que no Paraná – vi numa loja de comércio da cidade, da Dona Émeli, de ascendência árabe, e mãe dos amigos Hichen e Hime, fotografias de Nino e Raul Teixeira, mortos e “varados de bala”. As fotos causaram aglomeração da piazada, e estavam expostas no vidro da porta, que tinha por trás o “escureto”, espécie de persiana tosca, de madeira, que abria e fechava. Não conheço a origem dos dois, nem como foi o seu fim. E a maior lembrança é mesmo que eles “tocavam terror, em adultos e crianças, tanto aqui no Oeste como no Sudoeste do Paraná.
O mais afamado era Raul Teixeira, que até lá nos anos de 1970, gerou expressão bem popular, ou gíria regional, que ouvi muito: “Nem com os cachorros do Raul”! Dizia-se isso quando não se conseguia encontrar, de jeito nenhum, alguém, ou um objeto extraviado. E não sei se os cachorros eram reais mesmo, caninos a serviço do bandidão. Ou capangas, matadores contratados, guarda-costas e “assessores” para qualquer serviço do chefão. Mais provável que fossem mesmo comparsas, pois os “Cachorros do Raul” eram temidos, assustavam só por serem citados. E minha mais clara lembrança de Raul Teixeira veio de Adílio Fortes, o primeiro prefeito eleito de Xanxerê (1954-1959).
Fui entrevistar seu Adílio no início da década de 1990 na sua casa em Chapecó, onde passou a morar e viver (magoado com Xanxerê) até o fim dos seus dias. Foi para lá depois de ser preso (ainda morando aqui) pela Ditadura militar, acusado – de forma injusta e mentirosa – de ser comunista, de ter ido para Cuba e de outros absurdos. Tentei obter dele alguma informação sobre sua prisão, mas ele não quis falar muito sobre isso e eu respeitei…“Seu Adílio”, – compadre do meu pai e amigo da família – era, sim, um Brizolista. E participou da “Campanha da legalidade”, movimento de Brizola para garantir a posse de Jango, contra a vontade dos militares, que o derrubariam dois anos depois. Brizola criou os “Grupos dos Onze” para resistir aos militares, e em 64 os integrantes desses grupos foram presos, acusados de serem “comunistas”!
Pois Seu Adílio me contou – e não me permitiu gravar sua entrevista, apenas anotar – que certa vez, chegando em casa caminhando, ao sair da prefeitura, quando estava bem em frente à sua casa – existente até hoje, quase na esquina da Olavo Bilac com a Fidêncio de Souza Mello, onde está uma loja de roupas infantis – foi parado por Raul Teixeira, em pele e osso! E contou que montado a cavalo, Raul se apresentou e o cumprimentou. Disse não apenas quem era, mas também revelou a Seu Adílio que alguém – sem citar o nome – havia lhe procurado “para encomendar sua morte”. E adiantou que não aceitou a “encomenda”, porque gostava, tinha admiração, pelo então prefeito de Xanxerê!
A origem do apelido “Capital do Gatilho” para Xanxerê tem várias explicações possíveis, embora nenhuma que se possa firmar, com alguma segurança, a partir de dados de investigações ou pesquisas, que seja a mais provável, ou real. Mas é fato registrado em livros de resgate histórico do Oeste, que após a Guerra do Contestado (1912-1916), os chamados “Caboclos”, que enfrentaram o Exército brasileiro sob o comando do Monge (lendário e real) João Maria, simplesmente se embrenharam no mato, na extensa floresta de araucárias e outras “madeiras de lei”, de grande valor, para se manterem vivos. E se estabeleceram, isolados ou em pequenas vilas, numa (ainda) riquíssima mata Atlântida, vivendo de caça, pesca, frutas silvestres e de alguma cultura (milho, mandioca, batata) para subsistência, que plantavam ao redor de seus casebres.
E ainda antes da Guerra do Contestado os fartos pinheirais já abrigavam caboclos isolados e indígenas. Os caboclos descendentes de paulistas, que “ficavam pelo caminho”, no meio do mato, abandonando as caravanas que iam ao Rio Grande do Sul, em busca de gado, para levar até São Paulo. Tais rotas passavam pela região de Lages e, portanto, não muito distante do grande Oeste e suas terras, cobertas, tapadas, de cobiçados pinheirais sem dono, ou “da União”. Uma riqueza que rapidamente atraiu descendentes de europeus, inicialmente fixados no Rio Grande do Sul. E as terras então, em pleno sertão, eram “de ninguém”, ou “do Governo” – o que praticamente “dava na mesma coisa” – e até hoje dá!
Daí, ao iniciar a derrubada das matas para retirada da madeira, muitos pioneiros se depararam com ranchos de caboclos, perdidos na extensa e fechada floresta. Não todos, mas seguramente a maioria destes caboclos foram dizimados, mortos, assassinados – quando se recusavam a sair ou a vender sua “posse da terra”. Terras que o governo já concedia a descendentes de militares e de políticos apoiadores, como sempre – tudo sem a mínima preocupação se naquelas glebas habitavam ou não caboclos e indígenas. E com ou sem documento de posse da terra, os pioneiros escorraçaram – com a “assessoria” de pistoleiros contratados, ou bandidos (para usar a palavra certa) quem se recusasse a sair das glebas, para que se fizesse a retirada da madeira.
Ou seja: O início da derrubada dos vastos pinheirais e da floresta em si, abriu um respeitável e muito bem pago, com certeza, “nicho” ou “mercado de trabalho” para muita gente, talvez e inclusive para os próprios caboclos oriundos da Guerra do Contestado. Vai daí que para Xanxerê virar a “Capital do gatilho”, e abrigar Ninos, Raul Teixeiras e certamente muitos outros, menos famosos, não precisa de muita explicação. Basta imaginar. Xanxerê, na época em que era a “Capital do Gatilho” também amarga a triste marca de ter três delegados assassinados a tiros… Não é uma lembrança que se gostaria de ter. Mas é uma verdade, é a História, cuja inteira extensão ainda está para ser devidamente pesquisada e resgatada. Alguém, topa?