A segunda e a terça avisaram que o inverno está na porta, mas já ouvi que ele vem mirradinho: Curto e quente… O mundo de hoje em dia esculhambou tudo! E até as estações do ano, faz tempo, não respeitam mais nada. Dá inverno na primavera e primavera no outono ou verão. Uma zona. Bom era quando o inverno trazia uma semanada, ou mais, de geadas diárias, daquelas de fazer crescer os barrancos, na subida do morro, caminho do Colégio La Salle. Outro barato era falar e jogar “a fumaça” do vapor d’água no ar, e “quebrar” a geada fazendo barulho com a sola de couro da Sapataria Barato, ali na Praça – que nem nome tinha.
E a chegada do inverno era a temporada das fogueiras, de troncos de árvores – lenha não faltava, a cidade era rodeada de mato – ou de pneus velhos. E as fogueiras disputavam quase um campeonato, para saber quem fazia a maior. E tinha pipoca, pinhão, quentão, pé-de-moleque, mas as festas juninas só surgiram depois, quando os colégios públicos (Nabuco e Farrapo) começaram a ter aulas à noite. As fogueiras eram “promoção” de famílias, ou de turma de amigos, vizinhos e convidados, quase uma festa de bairro – que não existiam, eram só “redondezas” mesmo…às vezes ampliadas, porque Xanxerê era muito pequena…
Essas fogueiras eram animadas com bombinhas e busca-pés, diversão de poucos, pois “custavam caro”. Quando chegavam em alguma loja, a notícia corria e o estoque durava um ou dois dias. Diversão mais comum era acender a bombinha debaixo de uma lata de massa de tomate etti, vazia, que voava longe e soltava o fundo. Bombinha era eficiente “espalha roda”, ou sacanagem para assustar menina distraída, cochichando na orelha da amiga. E volta e meia estourava também a mão dos mais corajosos e ousados. Ou dos mais “exibidos”…
Atração que não podia faltar nas fogueiras era o quentão, com canela, gemada, e um pouco de cachaça, para deixar a italianada com as bochechas vermelhas. A aglomeração ao redor da fogueira só acabava quando queimava toda a lenha. E aí era hora de “pular a fogueira”, ou o braseiro, que volta e meia dava em alguns acidentes, que produziam queimaduras e uns palavrões, no italiano da mãe ou “da nona”. Fogueiras eram assembleias familiares e da vizinhança, além de uma festa noturna, sem iluminação pública, que nem existia. E sem polícia, que era rara e de certa forma desnecessária.
Mas o melhor mesmo no inverno era o fogão a lenha. E a inseparável caixa da lenha, para sentar em cima. Daí era abrir a portinhola do fogão e esquentar a sola do pé, fora do sapato. Naqueles anos ainda não tinham desenvolvido a tecnologia de forrar o sapato com jornal, e a moda era mesmo vestir duas ou três meias, com uma de lã, se tivesse, por cima de todas. E para quem tinha aulas “de manhã”, luvas de crochê ou de couro (artigo de luxo) eram de lei, assim como a “manta”, nome do cachecol – que poucos tinham. E quando o frio pegava pesado, uma calça de pijama velho, ou o famoso cuecão por baixo da calça, “um luxo”!
Os invernos dos meus tempos de calças curtas não deixavam ninguém andar de calça curta, nem mesmo das dez da manhã às três da tarde, o frio “pegava parelho”. E não tinha esse modismo, ou frescura mesmo, de frente fria! Era frio direto, sem aumentos da temperatura, nem veranicos, que, quando apareciam eram por alguns poucos dias, geralmente em maio, e logo o inverno retomava o comando. O inverno parece a estação que mais se alterou, a ponto de hoje, em alguns anos, praticamente nem se dizer que teve, ou ”fez” inverno. Só uns dias mais frios – o que é bem diferente! O inverno, assim, passou mais uma lembrança da extensa lista de ”coisas que antigamente eram melhores”…
Na verdade, acredito que que essa lista seja muito mais ampla, pois a vida, como um todo, era melhor, em muitos sentidos. Talvez não fosse mais fácil, mas era mais emocionante, mais curtida, melhor aproveitada. O tempo passava mais devagar e ninguém tinha tanta pressa para ficar rico, para ser feliz, ou para ir à Disneylândia, Paris, Roma, Nova Iorque…. Nossos sonhos eram mais simples. A vida era mais simples. E o Brasil ainda era o promissor “país do futuro”, tinha o melhor futebol do mundo, o maior estádio do mundo, enquanto que os brasileiros eram considerados “espertos” e até “malandros”, um povo muito inteligente, dava a impressão. E a gente impressionava pelo bom humor, também. Nem se falava em coisas como cultivar o ódio…
Neste ano, acredito que no inverno que se aproxima provavelmente nem festa junina vai ter – continua necessário não aglomerar e manter os protocolos. Também ainda não acharam um jeito de fazer festa junina on line, ou através de uma “Live”(ainda bem). E se tivesse, sem fogueira…estaria fadada ao fracasso, iria ninguém! Talvez o jeito seja, para os que ainda tem fogão a lenha, “na casa da mãe”, ou da vó, providenciar um quentão, no capricho e numa nessas noites que a previsão indicar muito frio, e geada para amanhã, daí sentar na caixa de lenha, com uns pinhões sapecando na chapa e o pezão esticado na portinhola do fogão, para falar bem “daqueles tempos”. Acredito que os netos – para quem tem – também iriam gostar de saber…
Mas talvez não devêssemos dedurar que naqueles invernos a gente também costumava, porém logo foi proibido, ir para o mato mais próximos, tentar caçar sabiás, pombas, nambus…Ou os saíras, que a gente chamava de “papafigo”, que vinham comer os últimos caquis da safra. Depois, depenar o produto do crime (que não existia ainda), e esperar Dona Alice escolher o dia para fazer aquela “polenta com passarinho”, que só ela sabia fazer. E que tinha aprendido com a Vó Teresa, lá no Rio Grande amado, onde nasceu, filha de um sapateiro e exímio fabricante de vinhos, fundador do Município de Anta Gorda! Ô tempo bom!