Depois da pandemia quero comemorar dando abraços nos amigos que ficaram em casa, que usaram máscara, evitaram aglomerações, usaram álcool gel e lavaram as mãos seguidas vezes. Vou abraçar aqueles que deixaram de apertar as mãos, dar beijos, abraços, tapinhas nas costas, que evitaram sair de casa sem necessidade, que tomaram banhos logo após chegar em casa, vindos da rua, e todos que deixaram de entrar em elevador com mais de duas pessoas nele. Aqueles que esperaram pacientemente e à distância para entrar em lojas, bancos, lotéricas. E também quero dar aquele abraço naqueles que se programaram para ir ao supermercado uma vez a cada dois ou três dias, e também em todos os que deixaram de tomar aquele chimarrão, na roda e ponto tradicional, para trocar umas ideias com velhos amigos.
E vou dizer que tenho orgulho de suas amizades, que a presença deles é pura felicidade – mesmo que eles tenham votado em quem eu achei que não deveriam votar. Vou afirmar solenemente, com toda a pompa e circunstância, que errar é humano, mas que reconhecer o próprio erro é divino! E que todos nós erramos, muitas vezes. E voltar atrás e se corrigir, pedir desculpas, revela sabedoria e grandeza de alma, um legítimo exemplo de cidadania. É uma prova de maturidade e um gesto que nos alçará vários degraus acima na escala da evolução humana. Direi a eles que nunca mais seremos os mesmos seres indiferentes e frios, artificiais ou falsos que faziam de conta não gostar da vida simples, com hábitos e atitudes simples. Como a de ficar em casa e se acostumar a passar o fim de semana como se fosse uma terça e quarta. Nem se importar por não poder ostentar que festou, bebeu e exagerou, que conheceu uma mulher muito interessante, ou que deu um chega pra lá num bando de chatos de galochas e naquele famoso fofoqueiro.
Depois da pandemia vou começar algumas atividades que nunca comecei – apesar de ter prometido começar inúmeras vezes. Vou sentar no sofá e pegar o violão, para reaprender a tocar e cantar as coisas boas da vida. Aquelas, que têm valor inestimável, mas que ultimamente a gente nem estava mais dando a mínima bola. Como parar para ouvir a mesma choradeira daquele amigo que vive, há anos, de mal com a vida. Vou sentar e lhe pedir que fale de suas tristezas, que ouvirei até o fim, com toda a atenção. E quando ele terminar vou lhe dizer que se anime, que a vida renasce a cada dia e estamos vivos para aproveitar o tempo que ainda nos resta. Sem mágoas do que não conseguimos, mas felizes com o que temos! E lhe direi que ainda poderemos conquistar belas vitórias, se unirmos nossas forças e começarmos a lutar pelo bem de todos, o bem comum, e não apenas pelos nossos sonhos, ou dos sonhos de três ou quatro.
As grandes mudanças de comportamentos, de atitudes, no modo de agir e de viver dos agrupamentos de pessoas, comunidades, das nações e até da Humanidade inteira começaram com pequenas ideias que surgiram em tempos difíceis. Em épocas de sangrentas guerras, catástrofes, pestes, pandemias, terremotos e furacões. Nos tempos de calmaria ninguém está preocupado em mudar para melhorar. Mas em tempos de incertezas, de nervosismo, de insegurança e de pânico, todos nossos sentidos se voltam para encontrar soluções, saídas, curas e melhoras, em todos os setores da atividade humana. Os tempos mais difíceis são os mais produtivos, iluminados e verdadeiramente reveladores das melhores qualidades da raça humana. É em dias como os de agora que surgem os caminhos que nos levarão a melhorar a vida de todos, a evoluir no reconhecimento do grande valor da vida, de cada um e de todos nós. Portanto, não devemos desperdiçar essa energia que armazenamos agora, em busca da sobrevivência e de uma vida mais feliz, saudável e fraterna.
Vamos viver estes dias como se fossem os melhores, fechando os olhos para sentimentos que não sejam dignos dos antepassados. Daqueles que viveram e lutaram em um mundo desprovido de ciência e de tecnologia, com parcos recursos materiais e científicos, sem nenhum conforto e nenhuma segurança. Eles sobreviveram e por isso, só por isso, conseguimos hoje desfrutar muitas maravilhas desse mundo, propiciados pela evolução da ciência, pelo
progresso dos seres verdadeiramente…Humanos! Eu sou um eterno otimista, embora em alguns momentos tenha vontade de desistir – vontade que expulso com pontapés nos fundilhos, sem dó nem piedade. E sou da paz, embora saiba que muitas vezes será preciso guerrear com as ideias de quem quer e gosta de ser melhor que os outros. Quero ser igual a todos os que acreditam na fraternidade, na igualdade e no direito que todos temos de sermos donos de nossas opções e escolhas. Sou radicalmente a favor da liberdade, e totalmente a favor da crítica direcionada a melhorar o que está errado, ou que não funciona como deveria.
Tenho certeza que tais sentimentos foram fundamentais para que nós, a civilização humana que habita o planeta terra, construíssemos a vida que desfrutamos. E ela ainda tem muitas injustiças, misérias, crueldades, barbáries e crimes contra essa mesma Humanidade – da qual podemos, em muitos momentos, nos orgulhar. E em outras muitas situações, nos envergonhar. Podemos e temos todas as condições de aparar estas tristes arestas que ainda restam dos tempos em que o ser humano era apenas um animal lutando pela sobrevivência da espécie, onde suas armas eram para matar, dominar, impor, decretar ou obrigar. Hoje, temos todas as condições e também as armas de amor, de fraternidade, para exterminar desigualdades que vêm desde quando vivíamos em cavernas e temíamos os raios, os trovões e os relâmpagos. Precisamos pensar em evoluir, como pensaram os que viviam naqueles longínquos tempos de medo e de escuridão. Ou teremos deixado de merecer o título de Seres Humanos.