Achava que era só gozação, brincadeira, uma tal “idade do com dor”, mas é não! Treinar para a terceira idade requer precaver-se de novas arapucas, ferramentas e atitudes – bem mal-educadas, cabe dizer – pois passam a nos habitar sem convite nem licença! Esses dias quase voltei para casa pegar a máscara que tinha esquecido, mas ela estava pendurada no pescoço. Outro dia, na corrida vesti a bermuda de trás para frente e só notei quando não consegui colocar a mão no bolso. Sair com a camiseta de avesso e com sapato diferente em cada pé, entretanto, são esportes praticados há tempos, bem antes do com dor. E hoje, antes sair de casa parece que estou fazendo a maquiagem: Protetor solar, hidratante nas canelas secas, que ardem, e umas gotas de colírio contra coceira nos olhos! Sem esquecer o antiácido, óculos, máscara, celular…
Das novas dores propriamente tenho coleção. Não consigo mais tomar cafezinho em jejum – como sempre fazia depois de acender o primeiro cigarro, porque o estomago pega fogo. Agora, mesmo sem fumar, cafezinho só se comer qualquer coisa antes. Eu sempre saía de casa sem fatia de pão e sem a tradicional média com leite. E tomava vários cafezinhos até o meio dia. Se levantar parcos 20 quilos e carregar por míseros metros, dói a coluna, o braço e as “cadeiras” e o joelho! Requer dorflex. Com dor de dentes já acostumei, depois de afundar o carreiro até o dentista. Mas a sensibilidade pela retração de gengiva, disse ele, não tem mais cura. Reclamei para outro dentista, o velho amigo Janjão, e piorou: Me sugeriu procurar um desmonte. Para conferir o que ainda prestava! Alguns amigos às vezes são cruéis, mas falam a verdade!
Foi por essas, além da barriga, que passei a caminhar pela manhã nas ruas da cidade. Movimentar os músculos, para não sentir dores. Semana passada, distraído, bem cedinho, quase fui atropelado, atravessei fora da faixa e sem olhar para os lados. Levei um buzinaço nas ventas! Mas tenho cumprido caminhadas, sempre de olho para não dar de cara com algum chinês – sem máscara – espalhando corona vírus por aí…. Nos primeiros dias de caminhada doía o pé! E se estiver meio friozinho, o joelho. Também aparece volta e meia uma ardência na sola do pé, que meus botões calculam ser algum fungo, ou uma tal de frieira. Fui cortar o cabelo no meu Personal Hair, o Coiffeur Francês Gavin, no seu tradicional e bem frequentado salão, ali no centro, pertinho do Máximo. Me avisou que cabelos brancos não deram as caras, ainda. Mas entradas laterais, ele disse, foram invadidas por aqueles madeireiros que derrubam a Amazônia!
Ando pesquisando as vantagens da chamada melhor idade – que se Deus quiser espero usufruir! A pesquisa não anima muito, embora não esteja, ainda, 7 a 1 para a Alemanha. Fui ao oftalmologista – que antes a gente enxergava como oculista. Mandou aumentar o grau dos óculos e receitou usar um óleo 40, lubrificante, que volta e meia dá uma coceira danada e uma secura desértica nos olhos. Porém, de longe ainda consigo ler – as letras grandes. E até agora ninguém me chamou de “oreia seca”, ainda ouço perfeitamente bem, é só aumentar o volume da TV. Já tirei várias manchas suspeitas da pele, inclusive um pedaço do escalpo, por conta de uma pinta que, décadas depois de andar comigo, resolveu crescer, assim, do nada!
A dermatologista quer que eu a visite a cada seis meses. Me perguntou se quando “era mais jovem” andava muito no sol, sem proteção, eu disse que sim, muito. Não gostava de chapéu, nem de boné. Daí, num conselho bem desnaturado, disse que se eu quisesse ir à praia, que fosse – veja bem 1- à noite! Sol, nem pensar: “Tua pele tá que é pena e bico! ”, fuzilou! Porém não faço tudo o que ela recomenda. Se eu retirar todas as manchas, pintas ou verrugas é capaz de alguma orelha baixar e ficar pendurada na base do pescoço! Nasci e me criei um cara cheio de “belezas”, herdadas da minha mãe. E se elas ficaram comigo até agora, vão continuar onde estão. Inclusive porque a preocupação com estética não é prioridade!
Notei essas e outras novidades da linha de arapucas a partir de um marco inicial, um pequeno incidente, registrado há uns quatro anos: Sempre gostei, ao levantar das sonecas das tardes dos domingos de verão, de atacar um caqui, estrategicamente guardado na geladeira. Mas naquela tarde memorável, revoltado pelo engano comi pela primeira vez um tomate gaúcho grandão, inteiro – e sem tempero! Ainda meio dormindo apliquei nele uma generosa mordida, sem olhar pra fruta! Foi porque comecei a comer o caqui pensando em outra coisa – que nem lembro o que era. Aliás, começar a fazer qualquer atividade, pensando na morte da bezerra…é fatal! Sempre dá merda! Numa dessas quase decepei o polegar com o facão, ao tentar cortar um galho de pitangueira. Perdi a unha, mas o dedão sarou bem!
Mas tudo tem suas compensações! Desde que o indivíduo pratique o bom o humor e consiga rir das caneladas. É claro que às vezes cabe “bestemar” em italiano uns três ou quatro “pórcos”, acompanhados de uns putamerdas, em bom português mesmo! Rir de nós mesmos, me disseram, é um sinal de boa saúde mental e psíquica. E não engorda! Meu medo não é parar de rir das bobeiras, muito menos erradica-las. O medo é cometer alguma que cause estragos maiores que os colhidos até agora.
Assim, ainda há muito a comemorar: Eu e meus botões ainda não somos danosos para a saúde e para a auto integridade física! E também preciso frisar que nem tudo são más notícias. Adianto ao sindicato dos corneteiros de plantão que outros departamentos e setores dessa “máquina” motor 19 ponto 54 continuam, todos, positivos e operantes! Não tenho recebido reclamações! Bem ao contrário, posso garantir que fica cada vez melhor! E Tico & Teco – lépidos e fagueiros – mandam forte abraço! A idade do com dor era brincadeira não! Mas pode ser muito divertida!
Quirera Gourmet