No início de março de 1969, com rasos 15 anos recém completados cheguei em Curitiba, vindo de Xanxerê, para fazer o “curso científico”, nome do segundo grau, que habilitava para prestar vestibular. Fui morar numa república com meu irmão, meu primo e amigos deles, todos universitários e todos ferrenhamente adversários da ditadura militar, dos militares, francamente favoráveis à volta de Democracia, fãs de Che Guevara e frontalmente contrários à política de dominação mundial desenvolvida pelos Estados Unidos da América, “os yankees”, ou o “Tio Sam”, como eram tratados. Na época fiquei sabendo o que era a militância estudantil e a UNE, conheci dois irmãos, universitários, de Pato Branco (PR), cujo outro irmão, também universitário e ativista político de esquerda, contrário a Ditadura, precisou abandonar a faculdade de Medicina e fugir, sumir, para não ser preso e torturado, como aconteceu com companheiros dele.
Conheci, também, um estudante que mais tarde viria a ser ministro do Governo Collor. Ele à época também era de esquerda, mas transferiu-se para a ala da ultradireita política nacional depois de formado. E como tal elegeu-se deputado. Depois virou ministro de Collor e depois viu-se envolvido num escândalo que quase acabou com sua carreira política. Lutou, conseguiu livrar-se de condenações, se reelegeu. Mas até hoje não sei se ele era culpado ou inocente das acusações. Mas esse não é o ponto central dessa conversa. O foco é que meu “batismo” político foi em plena ditadura militar, com a idade de 15 anos. De lá até hoje, vi e vejo amigos e conhecidos rasgarem o discurso de esquerda e abraçar a direita. Não vou fazer isso, nunca! Se um dia tiver motivos para não ser de esquerda, também jamais serei dessa direita brasileira…
Ainda em Curitiba também conheci o medo, verdadeiro pânico, que as pessoas tinham até em falar, em local público como no famoso café do senadinho de Curitiba, em ditadura militar. As prisões de estudantes e também de pessoas comuns, do povão, eram comuns. E a delação contra pessoas que criticassem qualquer absurdo dos generais presidentes era uma neurose de muitos estudantes contrários às torturas e prisões totalmente arbitrárias. Quem ousasse criticar ou era comunista, ou era terrorista, ou subversivo – apelidos que a imprensa e a ditadura impuseram aos brasileiros que queriam a volta da Democracia. Mas naqueles dias jamais conheci ou ouvi falar de que algum daqueles estudantes que conheci, ou que foram presos, ou que precisaram sumir do mapa, fossem comunistas. Eram, sim, ativistas políticos aguerridos, contrários à ditadura militar ilegalmente instalada no país, graças à interferência e ao atrelamento de militares e da elite brasileira aos Estados Unidos…
Também fiquei sabendo que o “Tio Sam” queria mais é que o Brasil virasse quintal deles, com medo que o ideais patrióticos e nacionalistas da revolução cubana – também taxada de comunista – se espalhasse por países latino-americanos, principalmente o Brasil. Na mesma época também aprendi que os russos e o comunismo não eram o céu, nem coisa boa: A União Soviética derrubava governos legítimos, colocando tanques na rua e mandando bala em quem ousasse contrariar seus interesses. Já os norte-americanos faziam praticamente a mesma coisa, só com outros métodos: Eles se infiltravam (e ainda se infiltram) na política de países latino-americanos, comprando imprensa e políticos corruptos desses países para derrubar governos legítimos (como assistimos há pouco…). Derrubaram e derrubam qualquer governo de qualquer país que, minimamente, venha a sonhar em construir uma nação livre e soberana na América Latina, que até hoje consideram o quintal Norte-americano. Tudo para preservar seus intere$$es…
O que ouvi e depois li, desde lá, sobre a União Soviética (os “russos”) e os Norte americanos é que para o Brasil, nenhum deles prestava. E que o Brasil deveria construir sua própria história, o país dos brasileiros, soberano, sem intromissões e imposições políticas de EUA, da URSS ou de qualquer outra potência! Convivi com esse medo e a repulsa aos militares até a campanha das Diretas já, em 1983. Agora já vivendo em Florianópolis e cursando a faculdade de Jornalismo da UFSC, depois de abandonar a faculdade de Medicina por absoluta incompatibilidade de gênios. No Jornalismo convivi novamente com professores e colegas que eram, majoritariamente, de esquerda. Nossa turma teve duas formaturas, dividiu-se ao meio, entre alunos de esquerda e de direita! Nossa turma batizamos de “Diretas, Já”. Mas, de novo, entre os da esquerda, nenhum era comunista! Lutavam, lutam até hoje e difundem o projeto de que o Brasil, com suas riquezas, sua gente e seu imenso potencial pode dar uma vida de melhor qualidade para a maioria do seu povo sofrido, manipulado, sem acesso às universidades e sem chances reais, efetivas, de progredir na vida e no cenário socioeconômico.
No Brasil que a direita e a elite brasileira imaginam, na minha opinião, quem nasce pobre tem que morrer pobre, ou miserável. Ou acreditar na balela da meritocracia…. Apenas poucos filhos da classe média conseguem, com apoio de familiares ou de amigos bem-nascidos, progredir e melhorar seu nível de vida. O Brasil assistia e até hoje assiste seu povo mais pobre trabalhar e trabalhar até morrer, sem nunca conseguir tirar o pé do chão. E sem ter uma chance real de estudar e evoluir na escala social. Nos recentes governos do PT essa triste sina teve um breve ensaio de mudança, mas essa atrasada e vergonhosa marca de séculos não se muda em 10 ou 15 anos…. Foi uma réstia de esperança que acabou, mais uma vez, abortada por um golpe legislativo tramado por péssimos brasileiros, políticos corruptos, de novo sob a ridícula alegação de que o PT encaminhava o país para o comunismo! O PT cometeu muitos e graves erros administrativos e políticos, mas nunca tendeu para o comunismo, nem de longe! O sistema bancário brasileiro, para dar só um exemplo, nunca ganhou tanto dinheiro como nos governos do PT. E isso não é, nunca foi e nem passa perto de ser chamado de comunismo. Porém tragicamente até hoje muitos acreditam nessa balela.
Por essas e por muitas outras razões semelhantes, até hoje me sinto muito bem sendo da esquerda política desse país. Não me arrependo nenhuma vírgula por minha posição à esquerda. E, mesmo entristecido, até consigo rir quando sou taxado de adjetivos, para muitos pejorativos, como comunista, petralha, subversivo ou terrorista. Esses “palavrões” (para eles) para mim soam como elogios. Por muitos anos votei e pedi votos para o MDB/PMDB, agora MDB de novo…. Até que vi, após a morte de Ulysses Guimarãeas e aos poucos, o mesmo partido que protestou e lutou contra a ditadura havia feito uma vergonhosa e inaceitável opção de tornar-se um partido de centro direita! Aí, fui desistindo de votar nesse partido. No início diziam aqui que eram “só alguns lá para cima”, mas hoje esses alguns são maioria, absoluta! Senti que fui traído, enganado, e me arrependi de votos que dei, especialmente para deputados – que ajudei a eleger. E que hoje me envergonham ao defender um (des) presidente francamente puxa-saco e capacho de norte-americanos, entreguista, além de declaradamente antidemocrático e ditatorial, militarista, que chega a admirar torturador! Para mim deu, MDB!
Mas continuo no bloco e na trincheira, velha, altaneira e bombardeada, da esquerda, sem nunca me filiar a partido algum. E estou junto, seja com o PT, com o PSol, ou com qualquer outro que sinalize querer construir um Brasil para os brasileiros. Não só para os mais ricos, ou para qualquer outro país, de direita ou de esquerda. Isso é o que eu penso. E a não ser que alguém me convença que estou errado, vou continuar assim, até morrer! Não gosto de de ver esse país andar atrelado, amarrado, conduzido como cachorrinho de madame. Estranho e retiro minha admiração aos que, depois de serem esquerda, entregaram “as armas” (suas convicções), a brasilidade, a fé, a raça, e a cidadania, para remar nos confortáveis barcos do entreguismo ou do adesismo a uma elite que detesta pobres. São os favoráveis à colonização cultural, que tenta, ainda sem êxito, abafar a verdadeira – e riquíssima – identidade brasileira. E apoiam hoje um governo militarista, que despreza a cultura! Acredito nessa nação – que ainda sobrevive na parcela que não se vende, que ama a Democracia, que conhece seu valor e que não precisa imitar ninguém, nem estar atrelada a potência alguma! Podem também taxar de utopia, mas o Brasileiro precisa é se unir e lutar pela sua verdade. E isso, sabemos muito bem, não é uma luta fácil e nem é para os fracos!
Admiro, profundamente e para sempre, brasileiros como Leonel Brizola, Ulysses Guimarães, Darcy Ribeiro, Paulo Freire, Dom Hélder Câmara, Dom Evaristo Arns, Lula, Miguel Arraes, Celso Furtado, Lúcio Costa, Heráclito Sobral Pinto, Zilda Arns Neumann, Ariano Suassuna, Manoel de Barros, Carlos Drummond de Andrade, Barbosa Lima Sobrinho, Raimundo Faoro, Chico Buarque, Tom Jobim, Gonzaguinha, Milton Nascimento, Aldir Blanc, Cazuza, Millôr Fernandes, Pixinguinha, Nelson Cavaquinho, Cartola, Carlos Cachaça, Clementina de Jesus, Clara Nunes, Elis Regina, Paulo Cesar Pinheiro, Vinicius de Moraes, Gilberto Gil, Caetano Veloso, Heitor Villa Lobos, Mané Garrincha, Sócrates, Oscar Niemeyer, Cora Coralina, Carolina de Jesus, Maria da Penha e muitos(as) outros(as), anônimos(as), vivos(as) ou mortos(as). Vivos, sempre, na memória dos Brasileiros, eles não eram perfeitos (as), não eram salvadores (as) da pátria, nem eram santos (as). São brasileiros (as) que não se entregam, nem se vendem, dos bons! E temos muitos mais, tão bons – ou até melhores – quanto eles, chegando na área!
Dito isso, proclamo aqui, bem tranquilo, e em alto e bom som: FORA, BOLSONARO!