Ouvi pela primeira vez quando tinha uns seis ou sete anos que o Brasil era o “País do futuro”. Na mesma época também fui apresentado a outras maravilhas do país: Não tem vulcão, terremoto, furacão, não tem desertos, nunca teve guerra, o solo é fértil, o clima é bom, o povo é trabalhador… “Em se plantando, tudo dá”, não tem racismo como nos EUA, somos o país do carnaval e do futebol. E a natureza é um show à parte, com a floresta amazônica, o pantanal, muitos rios, cascatas, lagos, lindas praias…É o maior país da América Latina e a população é uma miscigenação harmônica entre portugueses, negros e indígenas, além de descendentes de emigrantes europeus que por aqui chegaram a partir do início do Século XX (1900) para colonizar a região Sul e substituir a mão-de-obra escrava, oficialmente proibida em 1888.
Pensando no Brasil que acompanhei desde meus seis anos até hoje, pesquisei na Internet números, datas e fatos que marcaram esse país – que continua sendo do futuro, enquanto o presente fica cada dia pior. Não fiz isso com intenção de acusar, nem de condenar ou absolver quem quer que seja. Fiz apenas uma recapitulação de alguns dos principais fatos, nestes 60 anos em que me julgo brasileiro, eleitor, e cidadão, agora aposentado. Ficou meio longo, mas considero interessante para, nestes difíceis dias que vivemos, tentar entender esse país, seus políticos e seus eleitores….
A lembrança mais antiga que tenho de política e eleições é de 1960, com a vitória de Jânio Quadros – e sua vassourinha – para Presidente do Brasil. Só de curioso fui pesquisar e até lembrei da marchinha tema da campanha: “Varre,Varre,Varre, Varre Vassourinha…”. Jânio, do pequeno PTN, teve decisivo apoio da maioria dos militares e da UDN, fez um mundaréu de votos e venceu o General Lott, da coligação PSD/PTB, apoiado pelas forças que elegeram Juscelino Kubitschek. Foi também aí que ouvi pela primeira vez a palavra corrupção. O slogan de Jânio – candidato do meu pai, que era do PDC, partido que o apoiou também – era “VARRER A CORRUPÇÃO E A BANDALHEIRA PARA LONGE DO BRASIL”.
Jânio assumiu a presidência em primeiro de janeiro de 1961 e renunciou em agosto do mesmo ano, depois de uma série de trapalhadas. Segundo livro que escreveu mais tarde, com sua renúncia ele esperava que os militares impedissem a posse do seu Vice, João Goulart, e o reconduzissem ao poder, como ditador. Entre as trapalhadas que fez Jânio chamou o congresso nacional de “Clube de Ociosos”. E para desespero dos udenistas, condecorou em Brasília o guerrilheiro e revolucionário cubano Ernesto Tche Guevara. Isso, em 1961, quando Cuba acabara de se tornar livre do Ditador Fulgêncio Batista, deposto por Fidel Castro, Tche e outros. Batista hoje é visto como um preposto, ou pau-mandado, dos EUA em Cuba. Na época os cubanos acusavam os americanos de usar a ilha como cassino e cabaré do “Tio Sam”.
Após a renúncia de Jânio, João Goulart tomou posse, os militares se encolheram para organizar o golpe de 1964, quando depuseram Jango. O Brasil ficou 29 anos sem ter eleição presidencial, sob o jugo de ditadores militares (Castelo Branco, Costa e Silva, Médici Geisel e Figueiredo). No período proibiram-se eleições para governadores de estado e prefeitos de capitais estaduais – que passaram a ser nomeados, assim como os senadores (apelidados de “biônicos”), que eram indicados pura e simplesmente entre os amigos do presidente, ou dos militares. Depois da histórica Campanha das Diretas, em 1983, quando o povo foi às ruas em massa e, contrariando a vontade inicial da Grande imprensa e especialmente da Rede Globo (que depois aderiu), pediu a volta dos militares aos quartéis e eleições diretas em todos os níveis, inclusive para presidente.
Mas a eleição direta para presidente foi negada no congresso com a derrota da “Emenda Dante de Oliveira”. E em eleição indireta, Tancredo Neves (com José Sarney como vice) foi eleito presidente do país, vencendo Paulo Maluf no Congresso, com um placar de 380(Tancredo) votos a 180(Maluf). Tancredo teve apoio do PMDB e de dissidentes do PDS e do PFL, que não aceitavam Maluf. Entre estes, votaram e/ou apoiaram Tancredo Neves, Jorge Bornhausen, Antônio Carlos Magalhães, velhos caciques da UDN, entre outros. Tancredo morreu antes de assumir, Sarney assumiu e cumpriu a maior parte das propostas de governo de Tancredo. Na primeira eleição direta, para presidente após 29 anos, Fernando Collor, com o lema de “Caçador de Marajás” foi eleito, derrotando Lula. Nessa derrota de Lula aconteceu a também famosa edição do Jornal Nacional, favorecendo descaradamente e vergonhosamente Fernando Collor, como reconheceram mais tarde até alguns jornalistas da Globo. Em seus três anos de governo, Collor isolou-se politicamente e acabou perdendo o grande apoio popular que teve para se eleger.
Collor governou de 1990 a 29 de dezembro de 1992, quando renunciou ao ver que seria cassado, como foi, um dia após a renúncia. Renunciou porque com isso esperava paralisar o processo de impeachment, o que não aconteceu. Seu advogado de defesa à época José Moura Rocha revelou depois que a renúncia queria evitar a suspensão dos seus direitos políticos, mas não conseguiu: Collor teve direitos políticos suspensos por oito anos, até o ano 2000. Mas em 2006 elegeu-se senador pelo seu estado de Alagoas, reelegeu-se e é senador até hoje, com mandato até 2022. O retorno à vida pública do senador Fernando Collor de Mello (PTC-AL) marcou um crescimento de 114% do patrimônio do ex-presidente da República. Em 2006, quando conquistou a vaga ao Senado de Alagoas, o político declarou ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral) possuir um patrimônio de R$ 9,6 milhões (em valores corrigidos pelo IPCA). Para a disputa ao governo do estado em 2018, Collor declarou possuir bens num valor total de R$ 20,6 milhões. Nessa eleição Collor desistiu da candidatura, um mês após seu lançamento, pelo PTC. Ele segue com mandato de senador até 2022.
Com sua cassação o Vice-presidente Itamar Franco assumiu e implementou o Plano Real, tendo o Sociólogo Fernando Henrique Cardoso como seu ministro da economia, cercado por uma equipe notáveis economistas. Em 1994 FHC elegeu-se e reelegeu-se (1999/2002) presidente do Brasil, vencendo Lula nas duas vezes. Sua popularidade é atribuída aos bons resultados do Plano Real. Na segunda eleição venceu ainda no primeiro turno. FHC, porém, encerrou seu segundo mandato com baixíssima popularidade, desemprego e inflação em alta. Segundo um relatório da ONU de 1999, os 20% mais pobres do Brasil detinham apenas 2,5% da renda nacional, ao passo que os 20 % mais ricos possuíam 63,4%. A estagnação econômica também atingiu vários outros setores da sociedade durante os governos de FHC. Uma pesquisa realizada pela OMS – Organização Mundial da Saúde – revelou que os serviços da saúde pública brasileira eram piores do que os de alguns países periféricos, como Paraguai e El Salvador. Entre 191 nações, o Brasil ocupava a 125° posição em qualidade do sistema de saúde. Na América, o Brasil ocupou a 30° posição entre 35 países. Foi com essas dificuldades que a era FHC chegou ao seu fim em 2002, quando ocorreram novas eleições e o candidato Luiz Inácio Lula da Silva do PT (Partido dos Trabalhadores) conseguiu em sua quarta tentativa a vitória para a presidência do Brasil. Logo após sua reeleição, em 1999, FHC viu e não reagiu à decadência de sua popularidade e de seu governo. Principalmente por baixar um pacote econômico impopular, logo após a vitória nas urnas. Voltou a recorrer ao FMI e saiu da presidência com imagem muito mais impopular do que quando entrou.
Lula reelegeu-se em 2006 e saiu do governo em 2010, passando a presidência à sua ex – ministra da Casa Civil Dilma Roussef que se reelegeu em 2014, mas foi deposta em 2016 por processo de impeachment. Foi acusada da pratica de “pedaladas fiscais”, mecanismo que era comumente usado pelos presidentes que a antecederam, sem que nunca se tenha visto nada de errado nisso. Pedalada fiscal é uma operação orçamentária realizada pelo Tesouro Nacional, mas até então não prevista na legislação, que consiste em atrasar o repasse de verba a bancos públicos e privados com a intenção de aliviar a situação fiscal do governo em um determinado mês ou ano, apresentando melhores indicadores econômicos ao mercado financeiro. A pedalada era usada para aumentar o superávit primário (economia feita para pagar os juros da dívida pública) ou impedir um déficit primário maior (quando as despesas são maiores que as receitas). Ou seja, ao deixar de transferir o dinheiro para os bancos estatais, o governo apresentava despesas contabilmente menores do que as que ocorreram na prática, numa tentativa de ludibriar os agentes econômicos. Essas transferências eram feitas posteriormente, e as pedaladas eram praticadas sem qualquer penalização. No Governo de Michel Temer, vice de Dilma que assumiu a presidência, as pedaladas foram tornadas legais, apenas dois dias após sua posse.
Depois de Itamar, o Brasil elegeu o presidente que nos governa, ou melhor, desgoverna, na minha opinião. Sobre ele, quem fala é a realidade dos fatos diários, à disposição de todos e de todas.