O Brasil de 2020 se transformou num desfile de horrores, com dantescos “modelitos” produzidos pelos governos e pela sociedade civil, a nação. Os recentes acontecimentos envolvendo uma menina de dez anos estuprada e grávida, que corria risco de vida e teve aborto autorizado pela Justiça – como acontece diariamente, com dezenas de casos semelhantes – acabou gerando um protesto absurdo e surreal, com pessoas que se dizem católicas ou evangélicas fazendo piquete em frente ao hospital onde a menina foi internada. Foram xingar o médico e a menina de assassinos. O episódio pode parecer banal, nos tempos de agora, e isso é só mais um perigo: Primeiro, a menina foi vítima de crime hediondo, o estupro, e contra isso não há argumentos. Em segundo lugar, a gravidez colocou sua vida em risco, e por último, mas não menos grave: Aquelas pessoas xingando simplesmente querem negar a lei! Querem ser elas mesmas, a lei! Pior ainda: A CNBB, cúpula da Igreja Católica, através de seu presidente, lamentou o aborto e colocou o estupro e o aborto recomendado por médicos e autorizado pela Justiça no mesmo nível: Considerou as duas coisas como crimes…Hediondos! Gozado que igrejas, assim como muitos católicos e evangélicos não possuem, até onde sei, nenhuma instância, programa ou ação para amparar e apoiar mães adolescentes, vítimas de estupros, que aparecem, todos os dias na imprensa. Fora os que são escondidos! Querem mandar na lei, nos médicos, e se meter na vida dos outros! Mas o dever de casa, nem sabem o que é isso!
Desde muito tempo defendo o direito soberano das mulheres – e só delas – de decidir sobre a prática do aborto. Li muito sobre os defensores da vida, os que se apegam a Deus e à cânones religiosos para ver somente um lado do complexo problema: A vida do feto, ou a vida da criança. Não vejo, nunca vi essas mesmas pessoas se preocupando, nem se manifestando sobre milhares de crianças abandonadas, nem pelas meninas que tem suas vidas estraçalhadas, sofrendo preconceitos da sociedade e recebendo zero apoio, seja para criar seus filhos frutos de aborto, seja para ajudá-las, enquanto mães, a ter uma vida digna e humana. Aí a criança se cria na rua, vira marginal, com 18 anos está na penitenciária e, de novo, esses mesmos que se dizem religiosos defendem a redução da maioridade penal e …a pena de morte! São contra o aborto, mas querem matar as mesmas crianças que crescem e se marginalizam, cometem crimes bárbaros, viram facínoras e, daí sim, devem ser condenados à morte. Me desculpem os contrários ao aborto nestes casos, mas não dá para aceitar tais contrassensos como algo normal, muito menos humano! São claramente dois pesos e duas medidas, se formos falar no direito à vida! Para mim, isso se chama barbárie! Retrocesso!
Um outro aspecto dessa questão diz direito às mulheres em si e à valorização da maternidade. Homens não geram em seu corpo vidas humanas, nem carregam filhos antes de nascer. Pai só vira pai a partir do nascimento – e em muitos casos, muitos mesmo, nem depois do nascimento, nem durante toda a existência da vida que ajudou a gerar. Essa é outra realidade bem brasileira que, de novo, muitos católicos e evangélicos contrários ao aborto gostam de varrer para debaixo do tapete, quando se discute esse tema. “Ah, mas só Deus tem direito de tirar a vida”. Esse argumento peca por fechar os olhos diante da realidade horrorosa que desfila todos os dias diante de nós: Dá mesmo para chamar de vida a existência de criança que se cria mendigando, sem lar, nem escola, se prostituindo ou sendo vendida, trocada por drogas, pelos pais criminosos? Foi essa a vida que Deus teria dado a ela?Ou foi a sociedade que determinou isso? Devemos, eu acho, ser menos bíblicos e mais atentos aos reais desfiles de horrores que assistimos todos os dias. Tem mais: No dia em que esse país garantir uma existência digna – e protegida, não exposta – para crianças abandonadas, por qualquer alegação, aí talvez, quem sabe, se possa discutir a possibilidade de se limitar ou evitar abortos. Até lá, essa vida que começa a ser gerada é produto de um crime hediondo, que deve ser punido radicalmente! Antes de se condenar o aborto, porque esses “religiosos” não fazem uma cruzada, uma profunda reeducação da sociedade, ou uma definitiva campanha para varrer da nossa realidade esse horror do estupro, tanto de mulheres como de crianças???
O desfile de horrores tem nesse episódio da menina estuprada apenas um capítulo, neste nefasto 2020. O que estamos assistindo no trágico picadeiro da política brasileira, nas três esferas, Judiciário, Legislativo e Executivo, não por acaso, está atraindo a atenção do mundo, pelos descalabros. Porém, dar vexame mundial está longe de ser o maior problema: No Judiciário, umas quarenta denúncias de apuração de irregularidades cometidas pelo Promotor Deltan Dellagnol foram engavetadas, vergonhosamente. Não apuram, não investigam porquê? No Legislativo, o Presidente do Congresso também engaveta dezenas de pedidos de abertura de impeachment contra o atual despresidente. Não querem investigar porquê? Ele não tem direito a ampla defesa? Então porque engavetam??? E no Executivo, o despresidente gasta mais tempo tentando afastar a lei e a polícia, para livrar a cara dos crimes atribuídos aos filhos, do que governar o país. Não bastasse isso, rasgou descaradamente o que restava do seu quase inexistente programa de governo: Aliou-se ao famigerado, ultra manjado e corrupto Centrão. O mesmo que ele encheu de lixo durante a campanha, chamando de corruptos os mesmos políticos que hoje integram seu governo! Também nomeou representante no Brasil para ir à Arábia Saudita o Ex-presidente Temer, igualmente aquinhoado por ele, durante a campanha presidencial, com adjetivos de baixíssimo calão. E nesta semana o despresidente anunciou que em 2021 o Brasil vai investir mais nas forças armadas e na defesa militar do que em EDUCAÇÃO! E não se tem notícias de que o Brasil vá entrar em guerra, ou ser atacado, nem pela Nicarágua, nem por Cuba, pela China ou pela Rússia. Simplesmente trágico. E ridículo! A prioridade do desgoverno é “combater o comunismo”, que não existe e jamais vai existir no Brasil!
Fiz 66 neste ano e mesmo faltando mais de quatro meses para terminar, para mim 2020 já é o pior ano dos que vivi até agora! Não me refiro a problemas pessoais, mas a tragédias, desgraças, ignorâncias, atrasos de vida, absurdos e outros descalabros que atingem os brasileiros…. É um desfile de coisas horríveis, nojentas, indesejáveis e até inacreditáveis, o que assistimos até agora e vamos, pelo jeito, continuar assistindo até não sei quando! Também é uma temeridade, mas sugiro aos que me acompanham nestas Quireras, responder rápido: Qual é a notícia boa deste 2020? Tente responder pensando no coletivo. Mesmo assim, cumpre adiantar, não desisti e nem pretendo me calar diante de tudo o que estamos assistindo. E penso mesmo que se calar, ou fazer olhar de paisagem para tudo isso, do tipo “não quero saber”, ou “isso não me interessa”, ou “deixa pra lá”, é muitíssimo parecido, para não dizer que é igual, a aprovar e aplaudir(!) o que está acontecendo. Quem cala, consente!
Um bom fim de semana a todos (as)!
Quirera Gourmet