Dar opinião sobre qualquer assunto, até tempos atrás, era considerado por muita gente um ato de coragem. Dar opinião tinha o selo, privativo, de pessoas com saber, cultura, conhecimento profundo, o domínio dos fatos e acesso fácil aos que estão no poder. Eram vistos na colocação de pessoas “com muito estudo”, com grande bagagem cultural e científica. Eram chamados, respeitosamente, de “formadores de opinião”. Muitos deles, colunistas de jornais! Esse é um modelo hoje bastante raro de ser encontrado por aí. E já naqueles tempos a opinião não era uma verdade absoluta, era perfeitamente possível contestar opiniões, debater, trocar ideias e, inclusive, mudar de ideia, porque não?
Com a internet e as redes sociais na mão, dar opinião passou a ser visto como uma obrigação do cidadão, de “qualquer um, ou uma”, como se escuta por aí. Considero isso necessário, justo, e até constitucional – na medida em que o direito de expressão e de opinião são pilares básicos da Democracia. Porque dar opinião significa participar, na forma de dizer o que pensa e o que defende como correto, enquanto cidadão. Assim, os “formadores de opiniões” foram remetidos à lata de lixo, ou deletados. Ainda restam alguns, embora entre estes, muitos tanto podem dar, como mudar de opinião, desde que bem remunerados, para tal coisa. O pessoal, ainda por cima, está hoje mais interessado em falar do que em ler, ou ouvir…
Pena esse belo direito que a internet nos presenteou não ter vindo “equipado”, anexo, incluso, o necessário conhecimento dos fatos sobre os quais se formula uma opinião. Seria um kit completo. Daí o que vemos são “opiniões”, por exemplo, chamando (ou opinando que) outras pessoas de comunistas ou socialistas, sem ter um tiquinho de conhecimento sobre o que sejam comunismo e socialismo…. E mais: muitos consideram que sua opinião é muito mais que opinião: É a pura e única verdade! Vai daí que está fica ao mesmo tempo engraçado, risível, e trabalhoso, até trágico, contestar opiniões publicadas, diariamente em redes sociais, especialmente. Mas também ao vivo e a cores…. Parece que de repente muitos adquiriram – por obra e graça do espírito santo – um profundo saber e um inigualável conhecimento e expertise sobre muitos assuntos, para não dizer quase todos….
Nos tempos de exames vestibulares prestados com provas do tipo múltipla escolha, cunhou-se a expressão “chutar” uma resposta. Era a única possibilidade de acertar, caso não se conhecesse a matéria da pergunta. “Não sabia a resposta, chutei a alternativa C”, dizíamos. Hoje o chute ainda continua válido nas provas. E, mais que isso, nas redes sociais chute também ganhou o status de opinião. Muitos consideram que tais opiniões na verdade tenham que ser chamadas com outro nome: São “achismos”, que podem agora ser sinônimo de chute, lá no vestibular. Mas ninguém fala qualquer coisa como “chute”, nem como “achismo”. Sempre é “opinião”, mesmo que ela esteja baseada em conhecimento nenhum; Ou sem qualquer argumento lógico e, muitas vezes, completamente fora da razão, ou da “casinha”. O exemplo mais claro disso são “opiniões” que garantem, sem qualquer prova, que a “Terra é plana”…
Contestar “terraplanistas” é perda de tempo e gasto desnecessário de neurônios – dizem. Porque essas pessoas acreditam que a Terra é plana e ponto final, não tem discussão. Concordo ser perda de tempo e uso indevido de massa cinzenta ter que argumentar que a Terra é redonda. Mas ver pessoas acreditando e disseminando heresias, falsidades e inverdades, atenta contra o bom senso. Isso significa negar o uso da razão e jogar no lixo séculos de estudos, conhecimentos adquiridos, pesquisas, aprendizados e descobertas, avanços que produziram a evolução da espécie humana. Nunca imaginei um cenário desse naipe…
A impressão que dá é que negacionistas são, ou querem ser, o contraponto dos cientistas. Muita gente não consegue entender, nem digerir, nem decifrar avanços como, por exemplo, considerar que o direito das mulheres deve ser, ou deveria ser, idêntico ao direito (e aos salários) dos homens, Ou que negros e indígenas serem pessoas com exatamente os mesmos direitos e deveres que todos os demais. Na “opinião” de muitos, isso é “puro comunismo”! Daí nega-se tudo o que venha da Ciência. E adentra o Maracanã o Negativista F.C. …Na verdade acredito que os negacionistas possam ser, talvez, cientistas virados do lado avesso…Sabem pouco, ou nada e ainda por cima renegam o que é cientificamente comprovado.
Acredito que criar uma nova verdade seja a meta dos negativistas. Criar um novo mundo! Tenho a impressão que se deixarmos prosperar, sem discutir, nem argumentar contra o negacionismo, daqui a pouco vamos reinventar a roda. Isso lembra uma piada velha: A de que a primeira roda era quadrada e dava quatro solavancos ao “rodar”. Até que apareceu um “mais inteligente” e criou a roda triangular, muito superior: dava apenas três solavancos…Suspeito que daqui um pouco eles vão dizer que a roda é triangular! De qualquer forma, com negacionistas surgindo por todos os lados, parecendo ratos fugindo do navio ao naufragar, resta ao menos – para não arrumar intermináveis discussões estéreis e vazias – constatar que, para o bem ou para o mal, “assim caminha a humanidade”!
É mesmo de rir, muito, desta situação – mesmo que saibamos que ela possa virar uma tragédia. Mas, vai se fazer o quê? Conceitos e Ideias – mesmo as “sem-pé-nem-cabeça”, todas, ganharam o status de “opinião”! Dizem-nos: “É o que eu penso, é a minha opinião, e não sou obrigado a acreditar naquilo que querem nos enfiar, goela abaixo! Seu esquerdista duma figa!”. Tem, ainda uma outra variedade de opinião: Aquela que a pessoa xinga, enche de lixo, ofende e calunia, mas deixa bem claro que isso “é só a minha opinião”! Talvez amenizando o risco de um processo… Bem-humorado desde pequenininho, não consigo ignorar o lado hilário, em muitas “opiniões”. E faço questão e ressaltar: é só a minha opinião!
Para não insistir nos argumentos sobre o negativismo, nas conversas ao vivo prefiro o silêncio, viro em perna, quando escuto coisas do tipo “a vacina vai interferir no DNA”. Ou que o despresidente vá se reeleger em 2022. São opiniões e tenho que fazer de conta que não considero chutes, nem achismos. Não é recomendável dar linha, nem cutucar com vara curta, então o jeito e concordar, mudar de assunto e ir em frente. Mas não sou obrigado a ficar ouvindo disparates, divagações, síndromes de conspirações, acusações sem provas e outros que tais. Pego minha opinião e guardo na mala. Ou coloco a viola no saco. Mas vou cantar noutro lugar!
(Contatos com Quirera Gourmet: romeujornal@gmail.com)