Quando a rotina começa a incomodar o jeito é tentar fugir da mesmice. Acordei achando que o mundo está muito repetitivo, que não falta mais nada para inventar e que tudo o que precisava ser escrito já está escrito… Mas ao mesmo tempo me assalta aquele complexo (só complexo!) de gênio e penso em inventar alguma coisa revolucionária. De preferência alguma coisa que me deixasse jovem, bonito, rico e famoso – hoje estou com baixos níveis de ambição, “só isso” já ficava bom. Afinal grandes gênios da humanidade, maravilhosas invenções e fantásticas descobertas aconteceram assim quase do nada, sem ninguém imaginar que dali sairia algo daquele tipo; Dizem que a Lei da gravidade foi criada pela queda de uma maçã podre de madura na cabeça de Issac Newton. Nada mais prosaico, rotineiro, banal. Mas a lei mudou o mundo. Não se Newton ficou rico com ela, mas a fama corre até hoje!
Daí no espelho vejo que estaria na hora de aparar o cabelo e as unhas, mas isso também já chateou: Porque ainda não inventaram um jeito, um aplicativo, vá lá, para unhas e cabelos deixarem de crescer?? Se eu inventasse algo assim, ficaria rico e famoso! E talvez até um pouco mais jovem. Iria gerar desemprego de barbeiros, cabelereiros…Mas isso está na moda! Não teria mais salão de beleza, e a poderosa indústria dos cosméticos sairia pelo ralo…Será que sem o império da beleza, o mundão ficaria mais feio e mais real, menos maquiado? Não, necessariamente. Era só inventar um outro aplicativo que nos deixasse sempre do mesmo jeito. Como pintar a fachada da casa. Duraria uns dois ou três anos, depois que desbotasse, pintava de novo. Ou, para os mais inseguros, que durasse uns seis meses. Ou que mudasse a hora que desse na telha, mas com duração mínima de uma semana para gerar vagas de trabalho…
Também seria útil reinventar empresários, desses que “dão empregos”. Porque na verdade ninguém “dá emprego”. Aliás, ninguém dá coisa alguma – como todos sabemos não existe almoço de graça! Empresário contrata mão de obra que trabalha para ele em troca de salário, enquanto ele acumula capital e renda. Ou em bom português, fica mais rico – o que é nenhum crime, vale dizer. Então, empresário não “dá” emprego, ele compra e paga mão de obra! Tem nada de fraternidade nisso, é só a economia! Porém, nem todo mundo precisa se matar para ficar rico. Tendo para viver com razoável conforto e com satisfação das necessidades básicas, já chegava! O problema nesse caso é que ninguém se contenta com pouco, todos querem mais e mais. Ou quase todos, pois existem (raros) exemplares que se contentam com o que têm. E são riquíssimos!
A riqueza e a felicidade, ouvi dizer, também são estados de espírito, é possível sentir-se rico e feliz sem ser milionário… O incrível Millôr Fernandes disse n’O Pasquim que uma das três maiores mentiras do mundo é “riqueza não traz felicidade”. E emendou: “mas vá ser infeliz em Paris! ” Também ouvi muito dizer que índio é vagabundo, porque não trabalha, vive do que a natureza oferece e da caça e pesca. Uma parte disso é verdade: Se ele viveu milhares de anos (aqui mesmo na América) de caça e pesca – SEM ACABAR com a natureza, nem com animais e peixes, antes de ser vagabundo ele foi sustentável, inteligente, moderno, manteve a natureza intocada e suas fontes de alimento, sem precisar de dinheiro. Portanto, além de não ser vagabundo eles eram (são?) bem mais inteligentes que ‘nosotros’! Nós nos matamos de trabalhar para querer sempre mais e ostentar a riqueza. E, muitas vezes, ostentar nossa disfarçada e descomunal ignorância…
É certo que a verdade é uma só, mas quase todo o resto é relativo. Se você não se sente jovem, bonito, rico e famoso, talvez você não tenha se olhado direito, ou usado um espelho defeituoso. Veja bem 1: Se você não achar que tem pelo menos uma das quatro condições listadas, tente entender que um “copo vazio está cheio de ar. Que o ar do copo ocupa o lugar do vinho e que o vinho busca ocupar o lugar da dor…”(G.Gil). Alguns acham que a poesia não é necessária, mas tudo é necessário. Tudo o que está na sua cabeça é necessário, porque cabeça não tem despensa, sótão, ou quarto dos fundos, o que não serve ela descarta. Também é assim com amigos que pensam diferente e tem ideologia oposta à sua. Mas sãos seus amigos, por isso você não esquece e não deixa de gostar deles, embora esteja afastado dos mesmos.
A rotina pode ser chata e burra, mas ela não é muito boa na marcação corpo-a-corpo. Se você quiser – e tentar – você dribla a rotina e a chateação com um pé amarrado nas costas, porque quem está vivo é porque joga bem. O jogo da vida é implacável, se jogar mal você é eliminado, a competição é muito grande e ninguém é perfeito. Claro que ninguém quer errar, e errar faz parte, mas não desanime por isso. Tente outra vez. Finja que você gênio, sente-se de baixo de um pé de maçã carregado de frutas maduras…Pode ser que não caia uma em sua cabeça, e que você também não descubra um aplicativo que o deixe jovem, rico e famoso….Mas pelo menos você saiu da rotina e aproveitou – de um jeito totalmente inédito, alguns momentos dos belíssimos dias que estamos vivendo, mesmo de quarentena! Boa semana a todos (as)!
Colunista