Nos tempos em que o mundo era mais divertido e as pessoas mais bem-humoradas, frequentei em Xanxerê o lendário “Clube do Palito”. Funcionava no Bar e Café “Dois Irmãos” e ficava na Passos Maia, onde hoje está a loja Wustro & Wustro. Lá por 1970 em diante ao voltar de Curitiba nas férias, era convidado por meu pai para ir tomar um cafezinho com ele, depois do almoço, no Clube do Palito. Não consigo lembrar de todos os que “batiam ponto”, de segunda a sexta,(a maioria já falecidos, infelizmente) mas entre eles estavam figuras populares e conhecidíssimas, à época, como “Seu Morango”, Santo Basei, o popular “Cabeludo”(um PM aposentado, do litoral, que esqueci o nome), Oswaldo Zonkowski (o Dico), um Cavagnolli que era sósia do Ulisses Guimarães, Nelson Annoni, José Santo Dal Bello, O “Canhoto”(Boni, que não sei o nome), o “Gringo”(Cozinheiro e dono de sala de carteado), Arno Ghelen, Seu Josué, João Ramos Martins( então dono do Jornal “Imprensa do Povo”), Mário Cassol, taxistas como Rubens Aliprandini e Trento, o imortal expertise em barbas/cabelos, e alto astral, Seu Zago (cuja barbearia ficava em salinha envidraçada, dentro do bar. Era pai e avô de todos os Zagos que conhecemos em Xanxerê), e o seu fiel escudeiro, Seu Pimenta (que era Pimentel e tocava um famoso banjo no carnaval), entre outros. Eram pessoas muito conhecidas, nos bons e saudosos tempos em que ainda se dizia, com orgulho, “em Xanxerê quase todo mundo é amigo e conhecido”…
A maioria dos citados já partiu para outra melhor, mas devem estar tomando cafezinho juntos, jogando palito, fazendo brincadeiras e gozações com seus amigos em outras ‘rodinhas de fofoca’ – como alguns deles, ironicamente, também se referiam ao clube. Nas rodinhas predominavam as brincadeiras, “pegação no pé” entre gremistas e colorados e comentários sobre o noticiário da cidade. O Clube era totalmente informal e mantinha altíssimo astral. Promovia jantares de confraternização mensais em sítios, ou no antigo hangar do aeroporto. E a atividade da roda era o quase extinto “Jogo do palito” (de fósforos). E a “corneta”, principalmente entre colorados e gremistas, além de comentários gerais sobre os acontecimentos – e fofocas da cidade. Um Clube de bons amigos, que confraternizavam e tocavam suas vidas num mundo bem mais tranquilo e inocente que o de hoje…
Todos sentavam ao redor da mesma mesa, pediam seu café e entravam na rodada, com cinco palitos na mão. Cada um escondia um número variável de palitos na mão, fechada. Depois todos colocavam a mão ainda fechada sobre a mesa e abriam, para contar o total dos palitos. Que acertasse o total, ou marcava um ponto para sair da roda, ou dependendo do número de participantes, já estava excluído – da roda, e de pagar o seu café! Ou seja: quem acertasse estava fora e o que ficasse por último pagava o café de todos! Para não ser injusto, ou bom demais para os maiores ganhadores, quem pagasse menos cafés durante o mês era “convidado” a pagar o jantar do mês, rateado com os outros mais sortudos. E havia participantes mais jovens, que esporadicamente, ou diariamente frequentavam a rodinha. Um dos que lembro e estava seguido na roda era o então estudante Paulo Sérgio Ortiz,meu amigo até hoje e médico em Xanxerê. Assim como seu irmão, o impagável Ivo Ortiz, cuja maestria era “pegar” os outros em “empuias” (as pegadinhas de hoje). O clube, como se pode imaginar, produziu e rendeu muitas histórias divertidas, e algumas impagáveis.
Uma das sacanagens tinha como “vítima” o seu Morango, cuja sapataria – a mais frequentada da cidade – ficava na mesma quadra, mas na Avenida La Salle, a poucos metros do bar, onde hoje está o Gavin Cabelereiro. Morango no verão andava de chinelos de couro, da sua autoria, muito populares, bem antes das havaianas…Com os dias quentes Morango costumava tirar o chinelo para refrescar o pé no piso cerâmico do bar, e empurrava o chinelo para debaixo da cadeira. Isso sem parar de conversar nem de tomar seu café, em meio a uma nuvem de fumaça, a maioria era fumante… Era só Morango se distrair e esquecer o pé descalço no chão que tinha um “espírito de porco” despejando a xícara de cafezinho dentro do seu chinelo, sem ele ver….Tudo acompanhado e avisado por cotoveladas e olhares da atenta torcida de vários, ao redor. No dia em que vi a cena, a reação de Morango foram vários daqueles (já extintos) palavrões em italiano, popularmente conhecidos como “Pórcos”! Entre eles, o “hit” da época: “Órca madóna!”! Mas tudo acabava em gargalhadas e em seguida cada um seguia seu rumo, trabalhar!
Outra que lembro só presenciei uma parte, mas meu pai me contou o resto da peça, que ele armou, para cima dos amigos: A Hidrelétrica Xanxerê (da Família de Nelson Annoni) instalava postes de concreto pelo centro da cidade. E em frente ao Cartório de Registro de Imóveis do Seu Romeu, teve que dinamitar para remover rochas asfálticas, bem em frente ao Cartório. E assim foi feito, numa das belas manhãs de um verão xanxerense. Depois do almoço Seu Romeu chegou no Clube do Palito cuspindo fogo e xingando, em voz alta (coisa que ele nunca fazia) alguma coisa parecido com: ”Assim não dá! Quero ver o que eu vou fazer agora, com essa chuva que está se armando! Vai molhar todos os livros do cartório! Eu avisei o Nelson, mas não adiantou nada! Aqueles funcionários dele colocaram duas bananas de dinamite lá! Explodiram o telhado da casa inteiro! Eu avisei que meia banana de dinamite chegava, botaram duas! Agora tá lá o telhado, todo destruído! Vai chover dentro do cartório! Cadê o Nelson?”… Isso meu pai me contou depois, porque naquele dia eu não fui com ele ao Clube e fiquei sentado, na frente da nossa casa, olhando o movimento…
Daí a pouco estaciona na minha frente um jipe DKW, sem a capota de lona, que era o veículo do sempre bem-humorado Santo Basei (pai da minha amiga Sônia), com lotação completa: Basei no volante transportava uns cinco ou seis, em pé, com Morango, Seu Nelson e sócios do Clube. Me cumprimentaram, olharam para a casa, balançaram a cabeça e me perguntaram se tinha acontecido alguma coisa com o telhado…Falei que não e eles seguiram adiante, rindo, xingando e falando ao mesmo tempo…Fiquei sem entender nada, até meu pai voltar, morrendo de rir e contar que tinha aprontado o Clube inteiro. Perdi o que aconteceu quando eles voltaram de jipe ao Clube, mas dá para imaginar…O Clube tem outras várias passagens. Famosas e antológicas. Era um ambiente muito alegre, democrático, descontraído e amigo. Um clube de verdade! Na Xanxerê de então (o sinal da) televisão acabara de chegar, via TV Piratini de Porto Alegre, que pegava mais chuvisco que qualquer outra coisa, e o telefone também acabara de ser instalado. Independente disso, ou para substituir isso, havia um grande círculo de amizades na cidade. E vários pontos de encontro, como esse no Clube do Palito, de saudosas e alegres lembranças!