Tenho certeza que “começou a pegar TV” em Xanxerê no ano da confusão de 1969, porque naquele ano, em julho, o bicho Homem “desceu na Lua”, transmissão de TV que assisti ao vivo, mas em preto – e- branco, pelo sinal do Canal 5, a TV Piratini de Porto Alegre. Pioneira aqui, sua programação tinha muito mesmo era “chuvisco”! E acredito que não mais que umas 200 casas tinham aparelhos de TV, na cidade toda…No primeiro domingo à noite logo após Neil Armstrong pisar na Lua, eu na longa fila do Cine Luz, igual a maioria dos filhos da classe média xanxeriana, vi o Nego Sete – popularíssima figura muito querida na cidade nas décadas de 1960/70 – com sua tradicional verve, apontar o dedo para a Lua e fazer a fila toda rir: “Olha lá, dá para ver os caras daqui”, porque muitos não acreditavam no feito. O filme do domingo à noite atraía muita gente, a maioria casais, inclusive idosos, pois o cinema era a única atração, ou opção de lazer “regular” nos finais de semana.
“Passavam” filmes – diferentes – aos sábados e domingos à noite. Na segunda, repetia o de domingo. E o matiné no domingo, geralmente enchia a sala, com uns mil lugares e até mezanino para namorar, embalado com cheiro e fumaça de pólvora, com John Wayne na telona, matando índios e bandidos! O ápice dos matinés era a torcida da piazada, quando a cavalaria (finalmente) chegava com o reforço, para acabar com os índios que tinham invadido o forte e tacado fogo em tudo! Nesse gravíssimo momento todos nós, a plateia, na nervosa torcida, batia os pés no chão – que era de madeira, de tábua corrida sem forração – e produzia o tropel da cavalaria! E levantava uma nuvem de poeira, do assoalho mesmo! Aquilo era como se a gente estivesse chegando de rifle em punho e “bala confiança” – que nunca acabava! – mandando bala nos peles vermelhas, apaches e sioux! Levei anos para decifrar a associação da poeira do chão com o cheiro de pólvora e a fumaça do tiroteio. Era muito real, pura verdade! Posso garantir que sobrevivi, ileso, a sanguinários ataques de peles vermelhas, que tiravam, sem dó, o escalpo de branquelos igual a gente!
Quem não viveu os anos 60 não sabe o que perdeu. Quem viveu nunca será dos “mais fracos”, especialmente em termos de criatividade e imaginação! Naqueles históricos anos surgiram a pílula, a minissaia… The Beatles, Elvis Presley e o Rock explodiram a ex – juventude comportada, obediente e “quadrada”. A onda era Sexo, Drogas e Rock’nd Roll! – Um grito de guerra até hoje mal visto! Nos anos 60 o mundo viveu o tempo todo assustado com o que rolava, quase sempre a juventude como protagonista, no olho do furacão!! O mundo estava “careta” demais (e hoje está retrógrado) …As décadas de 1960 e 1970 influenciaram, muito, todas as demais, até hoje! Pela revolução cultural, pela contestação de valores intocáveis…sagrados, até. A partir de lá nada mais é intocável, ou sagrado, ou imexível. E isso continua até hoje, embora hoje as mudanças, as novidades seja tantas que hoje acabaram por se tornar…rotineiras! Porém, como sempre, muitas ainda seguem incompreendidas, malvistas ou condenadas pelos ultraconservadores, para variar! Não por acaso Raul Seixas (e Paulo Coelho) – também monstros dos anos 60, avisaram que preferiam ser “aquela metamorfose ambulante, do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo…”!
Mudanças em discussão, hoje, também geram intermináveis polêmicas. Uma delas – que inferniza cabeças conservadoras, especialmente, mas outras cabeças também, envolve a educação sexual para crianças e a bandeira do ultraconservadorismo, conhecida como questão de gênero, envolvendo adultos e crianças. Tenho certeza que ninguém luta, ou tenta induzir, sexualidade, ou opção sexual nem em crianças, nem de adultos! Não existe isso! É delírio, neurose. Ou marcação de pessoas que não conseguem, ou não querem, assumir a própria homossexualidade, os tais “do armário”… Ou de cabeças que vivem no passado…As pessoas dizem o que pensam, e isso é visto como tentativa de convencer os outro. O medo dos que leem é tanto que enxergam imposição, cartilha gay, e absurdos inexistentes.
Outra grosseira desinformação é achar que a pessoa que nasceu com um pênis, ou com uma vagina será obrigatoriamente homem e mulher, respectivamente. A sexualidade de qualquer pessoa não é determinada APENAS pelo órgão sexual com que ele veio à vida. A sexualidade é definida (muito mais do que por um pênis, ou uma vagina) pela vida que essa pessoa teve, na juventude e até amadurecer, até saber o que quer, como se desenvolveu, como descobriu suas preferências, e mais ainda: Do que gostou e do que não gostou. E isso é totalmente pessoal, e intransferível! E é rigorosamente uma questão que deve interessar, somente, à própria pessoa!
Muita gente, porém, ainda acredita que homossexualismo é doença, ou defeito genético, pecado, devassidão e outras “caretices”. E discriminam barbaramente homossexuais, sem reparar que muitas vezes, sem preconceitos, TODOS seriam muito mais felizes! Mas eles e elas são vistos como extraterrestres, ou “produtos de lares destruídos” ou, pior ainda: Almas pecadoras! A História da Humanidade conhece o homossexualismo há milhões de anos, registrado e aceito por antigas civilizações e, ao que se saiba, sem jamais ser visto como “anormalidade”…. E nem resultado do pecado, da devassidão! Nem produto da pornografia e nem de qualquer fantasia de cabeças retrógradas, ultrapassadas, que dividem o mundo entre céu e inferno, entre o certo e o errado e entre macho e fêmea… e nada mais que isso! Seria até bom se fosse simples assim, mas não é! Existe uma extensa graduação entre o totalmente certo e o totalmente errado. E também entre o totalmente masculino, e o totalmente feminino…
Na sexualidade humana, dizem estudiosos, macho e fêmea são apenas dois extremos, e existe uma curva, e um longo trajeto entre ambos. A pessoa bissexual está bem no meio dos dois extremos. E o bissexual também muitos consideram “doentio”, ou “aberração da natureza”. Só pode ser macho ou fêmea, e fim de papo! E seria muito mais simples, mais justo, honesto e racional – e menos chato – aceitar o bissexual como absolutamente normal. Até porque ninguém tem nada a ver com a sexualidade de outra pessoa, nem com seu corpo, nem com.… a não ser que se queira formar um casal com essa pessoa… E, mesmo nesse caso, o tema interessaria apenas aos dois, pois ninguém tem, por enquanto, o direito de se intrometer entre o que duas pessoas, em harmonia e comum acordo, resolvem fazer com seus respectivos corpos, para sentir prazer e satisfação – benefícios também recomendados para se viver feliz, e com saúde! Muitos se preocupam mais com a sexualidade dos outros do que em ser, eles mesmos, felizes…. E ainda tentam azedar a vida dos outros!
E o sexo, para a Ciência e para a História é, também, um canal de prazer, mas nunca de pecado! É claro que – igual a outras atividades humanas – desde que praticado, sempre, em comum acordo, entre qualquer tipo de casal. E não apenas entre o homem, considerado 100% homem, e a mulher, considerada 100% mulher! Os anos 60 – há mais de 60 anos, portanto – trouxeram e expandiram muitas, e profundas, mudanças nos hábitos, costumes, práticas e conhecimentos humanos. Algumas ainda “condenadas”, especialmente por ultraconservadores, retrógrados, e seres das cavernas, infelizmente! Mas essas mudanças são irreversíveis! O novo sempre assusta…, mas tudo muda, o mundo muda! Embora a terra (ainda) seja redonda, ela roda, sem parar (por enquanto)! E a fila nunca para de andar! Usar minissaia era até pecado! Hoje, se duvidar, muitos sequer sabem o que é uma minissaia! Mas cala-te-boca, antes que algum Neandertal nos ouça!
Quirera Gourmet