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18/09/2020 às 07:18
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Quirera Gourmet – 18/09/2020

Quirera Gourmet
Por: Romeu Scirea Filho

“Você, …Sabe Com Quem Está Falando”?

Deve ser porque a gente tem mais tempo já vivido do que a viver, essa permanente atração em falar de lembranças, da infância e de fatos antigos que ressurgem e nos despertam nova curiosidade e muitas perguntas. O futuro, o que virá daqui em diante, mesmo com muitos sinais de prováveis acontecimentos inéditos, não é tão atraente quanto fuçar no baú de artes e das manhas dos tempos de calças curtas. Uma das lembranças que me apareceram nesses dias me levaram lá para 1960/61, época que eu acumulava a impressionante idade de seis ou sete anos. Sempre fui um vivente (ainda sou) muito tímido, daqueles que ficavam vermelho-que-nem-camarão, por qualquer motivo, e até por motivo algum.

Daí me veio a imagem (que andava esquecida) dum piá quieto, magrinho, cara cheia de sardas e que vivia olhando para o nada – o que hoje é o tal olhar de paisagem. Ou pensando na morte da bezerra, a ponto de ter que ser chamado várias vezes para responder, pois estava quase sempre “no mundo da lua”, ou dormindo acordado, ou viajando sem sair do lugar. Mas não era só isso: Também lembro que seguidamente “me pegavam” falando sozinho”, em voz alta, e isso rendia repreensões, censuras e gozações dos mais velhos. Falar sozinho lá no começo dos anos 60 não devia ser muito comum, entre “a piazada” – já naqueles gloriosos anos a turma gostava mesmo era de falar muito, e dizer quase nada – que prestasse…

Hoje tentando entender o que é o tal de solilóquio (falar sozinho) fui pesquisar na bíblia atual – a Internet. Em pesquisa rápida, achei nada que tivesse alguma coisa a ver comigo. Diz a net que falar sozinho pode ser sintoma de ansiedade ou depressão. Mas nem tudo são más notícias, diz lá também que isso de falar sozinho não é “coisa de maluco”. Pelo contrário: conversar consigo mesmo, em voz alta ou em papos internos, pode ajudar na resolução de problemas, na organização mental e até a aplacar a solidão. Os esquizofrênicos falam sozinhos, também, mas geralmente dizem coisas desconexas, ou sem nenhum sentido, e esse não era meu caso…

Com seis anos era certo que aquele piá não era esquizofrênico, nem tinha problemas de organização mental (tinha notas normais, nem muito altas, nem muito baixas). Mas, talvez pela timidez eu não sentisse “autoridade” suficiente para puxar conversa com outros. Daí, falava sozinho! Pode ser que eu esteja sendo bonzinho ou complacente comigo mesmo, mas a hipótese da timidez aguda me parece a mais provável. Não me sentia à vontade, tinha vergonha… falando com os outros, daí falava comigo mesmo. Não lembro direito da “pauta” dos altos papos, mas sei que a conversa fluía solta e às vezes me causava risos –  o que só atraía mais atenção. Também não lembro as respostas que dava quando me pediam o porquê daqueles monólogos. Tímido, dizia nada…

Mas, como diz aquele energúmeno, e daí? Falar sozinho não é, até hoje e por enquanto, uma contravenção, nem doença, nem pecado grave. Apesar de que, para alguns, falar sozinho ainda é coisa de loucos, de malucos, de dementes, paranoicos e esquizofrênicos. Nada, portanto, muito longe da “normalidade” que estamos acostumados a ver por aí. Também acredito que no tempo em que eu falava sozinho a paranoia e a esquizofrenia ainda eram crianças, não eram tão famosos, nem tinham sido devidamente identificados, radiografados e fotografados pela ciência. Já pensaram se alguém, naqueles tempos tivesse a chance de gravar aquelas “conversas”. Eu seria um cara muito exibido hoje, divulgando “altos papos” meus comigo mesmo! Seria Massa! Ou, Irado!

De qualquer forma acredito como sempre que nem tudo está perdido. E certifico aos navegantes que apesar de estar envelhecendo (ainda) não fiquei caduco.Pelo menos não completamente… E ainda falo sozinho, só que agora em voz baixa, para não sofrer censuras, bullying e, principalmente, preconceitos e grosserias de pessoas que nunca falaram sozinhas, e nem sabem fazer isso! Para começar, a pessoa que fala sozinha sempre sabe a resposta para aquela horrorosa pergunta “você sabe com quem está falando? ”. O solilóquio também é um indicativo de pessoas bem-educadas, gentlemen, pois nunca jamais erguem a voz! Igualmente, nunca se viu uma pessoa provocar desentendimento ou debates acirrados, violentos ou agressivos, quando do nobre exercício do solilóquio!

Pois vai daí que está resolvido: vou me dedicar mais a aprimorar esse talento! Talvez eu consiga, com muito exercício, chegar ao nível de um senhor que conheci em Floripa, ele já na maravilhosa idade de 90 e poucos anos, e usando aparelho de audição. Ele costumava participar de animadas rodas de bate-papo regadas a scotch, no Praia Clube, bairro de Coqueiros, onde eu “entrava de peru”, levado por meu irmão Odilon. Aquele senhor, que não lembro o nome, sempre que a conversa não lhe agradava, estava chata, ou agressiva, levantava da mesa e punha-se quase que na posição de sentido, retirava o aparelho de audição da orelha e anunciava, solene, aos presentes: ”Diante da mediocridade e da ignorância presentes, e com meus veementes protestos, peço licença para retirar-me aos elevados e nobres domínios dos conhecimentos que habitam o âmago de minha lúcida e brilhante cabeça”. Dito isso, desligava o aparelho, sentava-se e apreciava, mudo, os parceiros se engalfinharem em intermináveis discussões. Ele só observava, não dava um sorriso, impassível. Até o arranca-rabo cessar.

Não sei se os senhores e as senhoras concordam, mas escrever também, é quase uma forma de falar sozinho. As diferenças são que aqui fica tudo gravado e, na verdade, se fala em voz totalmente inaudível. E mais ou menos cinco ou seis mil acessam, diariamente. Assim, acredito que aquilo que escrevo deve chegar às pacientes e atentas cabeças de pessoas interessantes… daquelas que sabem que o saber, nunca ocupa espaço. E que falar sozinho serve também para espantar a solidão e, principalmente, conseguir rir de si mesmo! É boa precaução saber com quem se está falando, mas falar sozinho vale muito mais, pois você fala consigo mesmo (a)! Às vezes com o poeta apaixonado que baixa no pedaço, às vezes com um canibal que está prestes a te devorar…

Eu, falo! E, às vezes, imagino saber com quem estou falando. Mas só imagino, nem sempre se pode ter certeza. Vai que numa conversa dessas você encontra dentro do seu baú um daqueles “eu mesmo” que cometeu algum escabroso desatino, ou vergonhoso malfeito? Pode, né?! E vai que ele resolva botar banca e querer voltas às atividades? Então ficamos assim: Viver é mesmo muito perigoso! Até quando você fala sozinho!

Um bom fim de semana a todas e a todos!

 

 

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