As restrições e mudanças trazidas pela Pandemia em todo o planeta ajudam a revelar mais claramente um tipo ou espécime de ser humano que se julgava extinto ou caminhando para isso. É o tipo que fala sobre o que não sabe, os palestrantes do desconhecido, os especialistas sobre assuntos que não dominam. É curioso esse vivente assumir protagonismo numa época em que a Internet oferece, sem qualquer custo, o acesso ao saber cientificamente provado e à História comprovada por fatos e registros. É mais curioso ainda que muitos aceitem tais fake news e até os defendam, sem ficar vermelho, nem sentir qualquer tipo de vergonha ou arrependimento. Se o Século XX trouxe imensos avanços científicos e tecnológicos, os 20% vividos até agora do Século XXI mostram uma escuridão que se julgava superada. Não são apenas os defensores da terra plana as estrelas desse filme assustador, ora em cartaz: Tem também os que não admitem qualquer contestação sobre seu ”conhecimento”. E ninguém consegue convencê-los de suas crendices estapafúrdias, por mais provas e comprovações que se lhes apresentem. Os caras são os donos da verdade e só o que eles acham está certo.
Essa arrogância pode-se dizer que já existia, mas jamais com tanta ênfase e nem tão presente e tão disseminada. É muita gente se arvorando de médico, de economista, de físico-químico e de ser filho ou sobrinho de Deus. Estamos cercados de especialistas de m* nenhuma… A humildade, a autocrítica, a “mea culpa” e outros valores morais reconhecidos e universalmente aceitos passaram a ser ultrapassados, velharias imprestáveis, ferro velho! As agressões às mulheres e o assassinato delas disseminou-se de tal forma que se popularizou até a palavra feminicídio, antes praticamente desconhecida. Só durante a Pandemia, dizem as estatísticas, o assassinato de mulheres cresceu 22% no Brasil e todo dia se tem novos assassinatos. Matam-se mulheres esposas, ex-esposas, ex-companheiras, filhas, mães de crianças, mães de adultos, avós ou “qualquer uma” simplesmente por elas serem mais fracas. A exacerbação do machismo e da violência contra a mulher é outro indicativo de que as coisas não andam nada bem nesse novo século. Ou como já se dizia há muito tempo, quando Deus falou “ide e multiplicai-vos” ele provavelmente não imaginou a confusão que isso iria gerar…
O tal negacionismo – outra palavrinha zero quilômetro apresentada ao mundo para denominar esse novo vivente – se expande por todas as áreas do conhecimento. Negar a igualdade entre homens e mulheres hoje é muito mais forte que os muitos anos, décadas, séculos de luta das mulheres em geral e do feminismo em especial, para que o sexo das pessoas deixasse de ser motivo para o Homem ser considerado um ser superior à Mulher. Quando parecia que as coisas iriam finalmente melhorar, com mulheres galgando postos de comando em muitos países, de repente ressurge o inexplicável e deplorável “costume” de agredir mulheres covardemente e de matá-las sem motivo e nem ao menos sem um pingo de arrependimento. Mata-se por matar e ninguém, ou poucos, se erguem contra isso. As leis seguem como se nada estivesse acontecendo e muitíssimas vezes os homicidas acabam ser absolvidos pela Justiça. Principalmente e especialmente quando o homicida tem dinheiro e/ou é de família tradicional, com posses e poderes. O dinheiro, aliás, nunca valeu tanto como nos dias que rolam. E nunca foi tão verdadeira a máxima de que cadeia “é para pobre”! A lei e também Deus, hoje, na prática, é o dinheiro!
Então, quando temos que ouvir gente reclamando de ter que ficar em casa, ou de ser obrigado a usar máscara e evitar aglomerações, salta aos olhos que muito poucos estão realmente dando valor para a vida. Na segunda-feira(13/07) assisti cenas gravadas de uma idosa de Joinville. Ela entrou na praça de alimentação em um shopping center, atropelando e xingando funcionários que tentaram impedir sua entrada, conforme determinação do prefeito e da lei sobre o combate à Pandemia. Bem vestida e aos gritos mandou garçons e guardas tomar no c* , além de chamar os mesmos de filhos da p*ta! Avisou que iria se alimentar, que não adiantava chamar a polícia, pois já havia ligado para seu advogado e ninguém-neste-mundo-a-impediria-de almoçar! Não achei que a mulher tenha exibido apenas falta de educação ou arrogância. Mais que isso, ela – que provavelmente almoçou, pagou e foi para casa normalmente – deixou a nítida impressão de que estava com a razão, e isso bastava. Demonstrou que todo o resto do mundo, além de não importar coisa alguma, também não deveria se meter na sua vontade de se alimentar, naquele local e naquela hora. Ela estava certa e fim de papo! E o resto do mundo que se exploda! Ela também tentou impedir a filmagem, mas quando viu que não conseguiria, deixou para lá e prosseguiu seu show!
Então essas coisas me deixam cada vez mais convencido que realmente estamos, a humanidade em geral, regredindo. Mas nem por isso me torno amargo ou pessimista: Ainda acredito que isso vai passar ou que alguma coisa vai ter que acabar sendo feito para conter essa irracionalidade que grassa nas relações sociais “das gentes” que vivem nesse planeta, hoje em dia! No fundo essas manifestações irracionais me assustam: Católico, embora não praticante, voltam à cena da minha cabeça o que ensinaram para a gente no Colégio La Salle, nas aulas de religião e nas chineladas da minha mãe: Não se pode pecar, nem contra os homens, nem contra Deus; é preciso amar ao próximo; devemos ouvir e respeitar os mais velhos; não devemos falar palavrões; xingar alguém de efedapê é pecado inaceitável, merecedor de imediato arrependimento, penitência e pedidos de desculpas. Bom, enquanto nada disso volta a estar na moda, eu faço a parte que me cabe: Conto a história, denuncio que não aprovo, nem concordo com essas coisas. E peço socorro! Mesmo assim – e apesar destas pessoas de mal com a vida – a gente vai levando!
Quirera Gourmet