As Férias Grandes
Cachaça no Peru
O sol forte e os dias claros das manhãs, dias antes do Natal, trazem cores, ventos e cheiros dos primeiros dias das “férias grandes”, a primeira semana sem aulas no La Salle. E tempo de ajudar nos preparativos para esperar o Papai Noel. Ir buscar no mato o pinheirinho, musgo e barba de bode para montar o presépio. O pinheirinho levava um comprimido de melhoral, no vaso de terra onde era fixado, para não murchar muito ligeiro e durar até o dia de reis. Na véspera do Natal tinha o peru bêbado de cachaça – pra carne ficar mais macia, diziam. Ele estava há semanas na engorda, lá na “caponéra”. Aos defensores dos animais lembro que naquele tempo o peru Sadia não tinha nascido, nem o Chester, nem o Tender, nem o pernil. E os supermercados ainda não tinham chegado a Xanxerê. Almoço de Natal era peru, recheado, assado no forno a lenha, mais macarrão feito em casa, e com ovos de colônia! E era bom bar-ba-ri-da-de!
Vila Sapo
As manhãs iluminadas das férias grandes eram tudo de bom: No parreiral a uva começava a amadurecer e todas as frutas estavam a caminho, principalmente as ameixas, minhas preferidas. Era também tempo de pescarias no Rio Xanxerê, subindo até a hípica, desde o Joaquim Nabuco – entra burro e sai caduco. Sem esquecer no banho de rio, à tardinha, no pocinho do grupo. E jogar bola, de pé no chão na terra preta ali no campinho da Vila Sapo, onde hoje está a rodoviária. Em frente a ela uma valeta descia da Papa João XXII e virava afluente do Rio Xanxerê, lá na ponte em frente à casa do Canderói, irmão do Nego Sete. A valeta abastecia com água limpinha tanques de lavar roupa, ao lado do campinho, cobertos com telhado de zinco e usados por donas-de-casa da vizinhança. Xanxerê lá por 1966/68 era o maior sossego, apesar da fama de “capital do Gatilho”. E nas férias grandes dava tempo pra piazada vagabundear por aí!
Bola de Capotão
Nas tardes de sábado e de domingo torneios de futebol em vários campinhos de peladas espalhados nos arredores do centro eram a grande atração. O campinho do Bortolon era um dos mais concorridos, mas tinha também o do Zandoná, lá no Bairro Tonial que nem ruas tinha, só a Avenida Brasil, de chão batido. E todas as tardes dos dias de semana o pátio do Nabuco, vazio, sem aulas, virava “nosso campinho”. Nosso para os moradores da Vila Sapo – um vasto território compreendido entre o Nabuco e a Hípica (que já se chamava Jóquei Clube, mas ninguém dizia). Nos torneios os times pagavam inscrição e o campeão geralmente levava um troféu: Uma taça de inox, comprada na Relojoaria do Savaris. Geralmente entre os donos do campinho – os moradores da redondeza, um era o dono da bola “de capotão” – as de couro, número três ou quatro. Porque bolas de plástico eram artigo raro, e não duravam nada! Só os mais endinheirados jogavam calçados de conga ou ki-chute, a maioria era descalço mesmo. Dedão destroncado era normal. Nada que um ágil “arrumador de osso” – a cidade tinha vários – não resolvesse.
Shopping Nabuco
Nos torneios tinha juiz, o que não evitava que às vezes a partida fosse encerrada a socos, ponta – pés e xingamentos. Chamar alguém de efedapê era um desafio para o duelo, a socos! As mães naquele tempo eram pessoas sagradas, para todos e cada um! Xingamentos variados eram rebatidos à mesma altura, mas se xingasse a mãe, fechava o pau! As brigas a soco também sumiam, naqueles dias das férias grandes, mas só porque não tinha mais aula. Na frente do Nabuco era difícil uma saída do colégio sem a formação de uma roda, com torcida, e dois bons de briga trocando socos no meio. Muitas rodas de briga só eram dispersadas pela diretora da Escola, a Dona Neusa, ou por algum irmão mais velho de um pugilista. Os bons de briga ganhavam status, eram respeitados e temidos, quase uns mocinhos dos bangue-bangues do Cine Luz. Mas os que apanhavam geralmente queriam revanche, dali a alguns dias. Pra nós, piazada da Vila Sapo, o Nabuco daquele tempo era parecido com um shopping, hoje.
Secretas!
Férias grandes eram safra de festinhas – nas tardes de domingo, depois do cine Luz – nas casas de meninas que a gente pensava em pedir pra namorar. Eu, pelo menos, só pensava. A timidez era muito maior que a coragem para namorar. E simplesmente nunca consegui sequer pensar em namorar a irmã de algum amigo, ou conhecido. E numa minúscula Xanxerê pequenininha, onde todos se conheciam,…acabei aderindo a vocação de solteirão, prematuro! Mas os olhares e sorrisos não passavam despercebidos pelos (as) mais audazes e conhecidos (as) “namoradores (as)”. Daí que tanto eu como vários outros tínhamos “namoradas secretas”: Elas não sabiam que a gente namorava elas! E se o assunto fosse comentado numa roda, tanto o namorado como a namorada negavam enfaticamente, na hora! Mas todos sabiam que eles eram namorados! E lá pelos 12 ou treze anos, namorar era o maior sonho de consumo!
Os “Amassos”
Os mais conquistadores, ou quem aspirasse esse almejado status, geralmente conseguiam, através de amigas comuns, combinar antes e sentar ao lado da namorada no escurinho do Cine Luz, nas matinês de domingo. Daí outro desafio: pegar na mão da “guria” e dar um beijo, ou – para os mais ousados – dar “uns amassos”, ou “tirar um sarro”… Eram verdadeiros troféus, dali a pouco, para serem exibidos aos amigos, sempre ávidos para saber “como é que foi”. Mas era preciso manter a linha: Seo Tales, o da segurança, e sua lanterninha, não dava bobeira: botava bagunceiros e perturbadores para fora! E o ensaio de namoro terminava junto com o filme, quando acendia a luz…. Sair de mãos dadas no cinema era só para os galãs da Rede Globo, digamos assim. Ou para os que já “namoravam firme”! A “pegação no pé” tanto pelas meninas como pela rapaziada flagrada “de mão dada” era certo, como dois e dois são quatro!
O Time do Baralho!
Na saída do cinema o caminho era a única sorveteria da cidade, ali no Bar Dois Irmãos, na Passos Maia, em sala que abriga hoje uma loja de materiais de limpeza. Algumas vezes, nas férias grandes, nossa “turminha” ficava indignada, nas tardes de domingo: Adultos, sócios do Clube Xanxerense proibiam o uso do salão do andar térreo pra gente fazer uma “festinha” dançante! Uns bailinhos. Diziam que a música alta atrapalhava o jogo de baralho, que os ocupava, na sala ao lado…. Aquilo para nós foi um completo desaforo e um baita absurdo, um atraso de vida! Para ironizar os viciados no baralho, dizíamos que se a gente pegasse a mesa e os jogadores com suas respectivas cadeiras e os levássemos até o meio da rua, na Passos Maia, eles não notariam e nem iriam parar o carteio! Mas a bronca ficava nisso: Muitas vezes nossos pais, familiares e amigos mais velhos estavam entre os do baralho! Essa tribo – a do baralho – sobrevive até hoje, com descendentes dos pioneiros que seguem firme no carteio!
Jogo Duro
As férias grandes também tinham outra esperada atração: Primas e amigas das meninas daqui vinham visita-las e passavam alguns dias por aqui. Úuuuuu! Viravam estrelas, na hora! “Meninas de fora” recebiam tratamento VIP, ainda mais se fossem de alguma capital, ou de “cidade grande”. E aquelas primas, no caso, eram primas mes-mo! Nada a ver com damas da noite ou bailarinas…. Uma cidade sem telefones tornava a comunicação entre a gurizada uma verdadeira aventura. E uma cidade sem telefones e com pais e mães de meninas extremamente vigilantes quanto, especialmente, as companhias de meninos…. Isso era quase uma muralha a ser vencida, para arranjar namorada…. Os colégios, tanto o público (Joaquim Nabuco) quanto os particulares (La Salle e São José – o atual Costa e Silva), não tinham classes com meninas e meninos. Eram “gurias” no “Colégio das Freiras”, o São José, e “rapazes” no La Salle. Pontos de encontro? O Cine Luz, ou as festinhas particulares, nas tardes de domingo. Jogo duro!
Não Tem Mais!
Férias escolares durante muito tempo para mim foram a melhor parte “da vida de estudante”. Nunca fui muito estudioso, era só “para o gasto”. Mas lá em casa tirar notas boas era de lei. Pegar uma segunda época, no La Salle, era coisa muito séria e feia. Causava penalidades variadas, tipo a suprema humilhação de ter que frequentar “aulas particulares”, e adiar as férias! Era coisa de aluno pouco estudioso, ou meio burrão mesmo. Isso dava até bullying, embora isso também nem existisse, ainda. Até que estudava um pouco, porém mais porque senão o “bicho pegava”, do que por querer ser um CDF – “cu de ferro”, por extenso, os caras que só tiravam nove e dez! Algo que também provocava bullying dos mais gazeteiros e folgados. Saudades das férias grandes! Sempre gostei muito delas, mesmo nos tempos de faculdade: No primeiro ano pós formatura, lembro de não ter gostado nadica: Acabou! Não tem mais férias grandes! E não teve mesmo! Agora, aposentado, voltei a lembrar delas. Não é a mesma coisa. Mas é bom, também!
Bom fim de semana a todos (as)!