Houve um tempo, eu lembro, em que o comportamento e as atitudes das pessoas eram bastante previsíveis. Dava para imaginar que não havia mais nada de novo sob o céu da Dinamarca, além dos aviões de carreira. As surpresas nem eram mais tão surpreendentes assim. Qualquer coisa que se rotulasse como novo era perfeitamente e imediatamente enquadrada como algo que nasceu lá atrás, no século XVII ou XIX, e evoluiu, mudou, sofreu influências e modernizou-se até chegar ao ponto em que se achou que seria novo. Mas não era. Era só uma roupa nova. “A gente” ainda éramos os mesmos e vivíamos como nossos pais…
Já faz tempo vi você na rua, cabelo ao vento, gente jovem reunida. E na parede da memória essa lembrança é o quadro que dói mais. Mas não tem jeito, os tempos são outros e agora é impossível prever o que as pessoas vão fazer daqui a pouco. Esses dias uma mulher que se tornou popular, famosa, rica, deputada federal e muito respeitada porque havia adotado uns 40 ou 50 filhos. No dia seguinte a gente fica sabendo que ela mandou matar o marido, que já tinha sido marido da sua filha. E que essa mulher promovia orgias, e que oferecia ou obrigava filhas adotivas a ir para a cama com convidados especiais, para agradá-los. A mulher bondosa e caridosa segue deputada, tem uma “coisa” chamada imunidade. Com isso, não pode ser presa, nem pela morte do marido. Daqui a pouco deve ser considerada uma deputada de bom coração, que apenas caiu na tentação e deve ser perdoada!
No domingo, dia seis de setembro de 2020, li notícia da morte de um prefeito mineiro, cujo avião caiu, matando ele e o piloto. E segundo testemunhas, dois aviões, o do prefeito e mais um monomotor atiravam bombas de coquetel molotov sobre casas ou barracos de integrantes do Movimento dos Sem Terra (MST). Estes teriam revidado disparando tiros, que podem (ou não) ter derrubado o avião onde estava o prefeito. A notícia, como era de se prever, não saiu no JN. E sumiu do noticiário… Em Palhoça, na grande Florianópolis, uma grávida de quase nove meses foi assassinada por outra mulher, ajudada provavelmente por seu companheiro. E a vítima teve seu o bebê furtado, depois que a homicida abriu seu útero com um estilete. A acusada foi presa e o bebê foi salvo. Disse que fez o que fez porque havia engravidado e perdido o bebe. O que não era verdade…
No Rio de Janeiro, o filho do atual mandatário-em-chefe do país comemorou decisão judicial que proibiu a rede Globo de noticiar investigações sobre um esquema de rachadinha, quando o filho era deputado, e agora ele é senador, eleito pelo povo carioca. Ao comemorar a censura, o senador disse que NÃO TEM NADA A ESCONDER E que sua vida era um livro aberto! O pai do senador, o primeiro mandatário, passou 28 anos da Câmara de deputados, período em que apresentou se não me falha um ou dois projetos. Agora no comando do Brasil, em quase dois anos de mandato, ele ainda não apresentou nenhum projeto ou programa para melhorar qualquer coisa. E tem gente ainda chamando ele de grande presidente, ou muito mais que isso.
A Rachadinha é um novo modelito de corrupção, que muitos teimam que não é corrupção. Ou apenas olham com olhar de paisagem. Na rachadinha, o deputado emprega o máximo permitido de funcionários em seu gabinete, eles devolvem, todo mês, mais da metade do seu salário para laranjas do deputado. Estes repassam essa grana para familiares do próprio deputado. Dinheiro público. Meses depois o deputado demite os funcionários, que recebem indenização e todos os seus direitos. E boa parte desses recursos também acabam na conta dos familiares do deputado. Dias depois o deputado contrata outro trem de funcionários novos, que novamente passam a devolver maior parte de seus salários ao laranja do deputado, que repassa a grana, outra vez, para os familiares do deputado. Dinheiro público. E assim segue o baile, por anos… A grana, o dinheiro, é preciso desenhar, é arrecadado em impostos, pagos pela população. Não há mais dúvidas, nesse caso, o deputado realmente não tem mais nada a esconder. Já se sabe de tudo! E muita gente culta e inteligente ainda acredita que esse governo a-ca-bo-u com a corrupção…
Na semana passada o Brasil, segundo economistas e especialistas, entrou oficialmente em recessão. Nas redes sociais chovem, protestos contra o preço de arroz, feijão, óleo de soja e outros produtos essenciais. Na grande imprensa brasileira só na quarta-feira (09/09) começaram a explicar o aumento. Tempos atrás a apresentadora Ana Maria Braga fez sucesso em seu programa com um colar de tomates, porque a inflação tinha aumentado absurdamente seu preço. Até agora a mesma apresentadora não apareceu enfeitada com um pacote de arroz ou de feijão, nem com uma lata de óleo de soja pendurada no pescoço. O Brasil, dizem os estatísticos e responsáveis por análises do mercado de trabalho, jamais teve tanta gente desempregada. Tem mais brasileiro no desemprego do que trabalhando. E tem gente – considerada culta e inteligente – que chama o atual líder maior do povo brasileiro o melhor presidente que este país já teve….
Na quarta-feira (9/9) o Vice-presidente general Mourão descobriu que a alta dos preços se deve ao aumento de consumo, que por sua vez foi promovido pela…grana do auxílio de emergência!!! Absurdo! Já pessoas que conhecem o mercado de arroz não tem dúvidas do motivo: O preço lá fora estava muito bom, e eles resolveram exportar… tirar o atraso de prejuízos que teriam sofrido tempos atrás. Quem paga a conta desse prejuízo somos nós, os que comem arroz. A noite de quarta também mostrou um sensual e erótico rasga seda entre o despresidente e o presidente do STF, Dias Toffoli. Os amantes são os mesmos que tempos atrás andaram se atacando com fogos de artifícios jogados contra o prédio da suprema corte do Poder Judiciário. Em cena comovente, Toffoli convidou seu ídolo para sentar-se aos e lado. Foi lindo! Problema é que os seguidores do Mister Cloroquina queriam matar Toffoli, semanas atrás…
Diante dessas e de muitas outras notícias não tenho mais dúvidas: Já faz muito, muito tempo, que vi você na rua, cabelo ao vento, gente jovem reunida. Não somos mais os mesmos, e muito menos podemos dizer que vivemos como nossos pais. Mas na parede da memória essa lembrança é a vergonha que dói mais, muito mais. Minha dor é perceber que apesar de termos feito tudo, tudo, o que fizemos, nós NÃO somos mais os mesmos e estamos bem longe de viver como viveram nossos pais. Nossos pais tinham e nos ensinaram a ter vergonha na cara. Nossos pais sabiam e reconheciam os próprios erros. Nossos pais retomavam a caminhada corrigindo os erros, sempre procurando ser melhores, mais justos e mais honestos.
Hoje não é mais assim, a maioria dos nossos pais já morreu. E não se tem mais respeito, nem compromisso de honrar o que nossos pais ensinaram. Hoje para a maioria o que vale, o que deve ser buscado, a qualquer custo, é o dinheiro. E ostentar ele. Com dinheiro na mão sempre se consegue mais poder. E com o dinheiro jamais se deve praticar fraternidade, solidariedade e muito menos cultuar a verdade. Houve um tempo em que isso – essa tal verdade – valia ouro, eu lembro. Hoje, não vale mais! Hoje nada vale mais que o dinheiro. Com dinheiro você compra e vende a verdade que quiser, ou puder comprar! Não, isso não é desabafo, nem piti. É só uma pequena reflexão sobre os mares que navegamos. E sobre a tripulação toda, tudo no mesmo barco…
Bom fim de semana a todas e a todos!
Quirera Gourmet