“Calado, é um poeta”, arrematou Romário na pequena área, anos atrás, chutando Pelé para as feras pela pouca habilidade, digamos, do Rei do Futebol com as palavras. O baixinho marrento foi até generoso, eu acho: Compondo e cantando, Pelé também mostrou que não é poeta, nem cantor. As palavras que jogamos no ar podem sim cair feito pedras em nossas cabeças, logo ou daqui um pouco. Ou, se bem empregadas, ilustrar com louvor muitos raciocínios. E perder oportunidades de ficar calado é muito pior que falar um caminhão de asneiras. Em boca fechada não entra mosca, dizia minha Vó Nicolina! E “economizar as pretinhas” (da máquina de datilografia) foi um sábio conselho que ouvi de um grande professor.
Mas a realidade hoje mostra palavras num tsunami de descrédito, desvalorização e rebaixamento nunca visto…. Tanto as escritas quanto as pronunciadas ao vento. Acredito que essa onda tenha sido lançada, há muitos anos, pela maioria dos políticos brasileiros, mas não só. Massacrar as palavras agora parece que é top! Houve tempo em que a palavra valia mais que um documento assinado, e existiam pessoas cujas palavras valiam ouro! Depois, com o declínio, o poeta cantou: “Pois é / fica o dito e redito por não dito / e é difícil dizer que foi bonito / é inútil cantar o que perdi…”. (Pois é – Chico Buarque). Inventaram-se muitas maneiras de se comunicar sem palavras, mas elas, as palavras, sempre resistem. Mesmo tristes com tanto descaso e irresponsabilidade, molecagem mesmo, empregados no seu uso.
Com a Internet e a ampla disseminação do direito divulgar as besteiras que todos se achem no direito cometer, o valor das palavras sofre frequentes acidentes ferroviários, coisa muito feia…. Diariamente, pelo menos aqui no português brasileiro, as palavras são diariamente atropeladas por trens de ignorância que, hoje pode-se dizer sem medo, estão bem fora dos trilhos! E está completamente fora dos trilhos de tanto causar abalroamentos e muitos outros tipos de agressões e violências às palavras! E também à Lógica e à Ciência… Poucos ainda se importam com a beleza ou pela formosura das palavras, embora os poetas…ah, os poetas. Estes são muito atentos, e eternos, e seguem navegando ilesos nas belas asas das palavras da poesia. Ainda bem!
Pensei nas palavras ao ler, pela enésima vez, a obviedade de que o dinheiro destinado pelos governos não é do governo, nem dos deputados que fazem emendas para municípios. É do povo, é nosso! Palavras gastas à toa, desperdiçadas, usadas por nada, tentando minimizar ou zerar a importância de o povo ter representantes políticos… Argumento, furado, de quem, disfarçadamente, defende ditaduras – que proíbem as palavras… Ao perdulário verborrágico sugeri que vá ele, em pelo, até Brasília e traga na mala os recursos que são nossos, do povo! Nem foco em erros de ortografia…. Dizem ser arrogância politicamente incorreta corrigir inúmeras bar-ba-ri-da-des cometidas aos milhões contra nosso idioma, nas palavras escritas por aí. Falo da incompetência e da impropriedade com que muitos se aproveitam das imprescindíveis palavras, para dizer abobrinhas!
Cumpre reconhecer que até quem escreve diariamente, ou quem passa o dia escrevendo, comete erros crassos de português, mesmo se autovigiando contra eles. Há bom tempo parei de corrigir erros alheios, em palavras escritas. Só faço isso raramente, quando a pessoa é amiga, e com toda a gentileza que eu puder reunir, na hora. Porque alguns se ofendem, e agridem: “Entendeu o que eu quis dizer né? Então não enche”! Aceito o argumento ou a grosseria, mas não concordo: As palavras para mim são ferramentas, que uso toda hora. Cuido delas e pelas quais tenho o maior respeito, todo cuidado e um carinho especial: Elas são muito perigosas! Errar a escrita, porém, não é problema, nem defeito, é apenas um erro, basta ter a humildade de corrigir…. As palavras agradecem! Escrever corretamente o idioma do meu país, para mim é um requisito básico de cidadania…. Se alguém sequer sabe escrever, com um mínimo de correção, o idioma de seu país, essa pessoa infelizmente sabe muito pouco.
Não esqueço do relato que ouvi, tomando uma cervejinha na beira da praia, nos tempos de fartura, de um desembargador, doutor, professor da Faculdade de Direito da Ufsc e integrante de bancas julgadoras de mestrado e doutorado. Contou que ficou profundamente abalado, traumatizado, ao ter que reprovar uma tese de mestrado – “a mais brilhante que já li até hoje”, confessou, com ar de tristeza. E explicou: “Nas últimas linhas do brilhante texto redigido para análise da banca, o quase futuro Mestre em direito escreveu lá – e repetiu – osso, com cedilha! OÇO! Bem assim. Não foi erro de datilografia, eu não aguentei, joguei sua tese na lixeira, de tanta raiva! Não posso dar título de Mestre para alguém que escreve osso com cedilha”!
Mas não foi para falar de erros de ortografia que escrevo estas, pretensamente, bem traçadas. Falo do que Romário sacou em Pelé. Pessoas que, caladas, são poetas. Usam a palavra como quem calça um sapato velho, de sola furada sem cadarço e com bico arregaçado. Colocam belas palavras num sapato inaproveitável, inservível, inaceitável…. Isso embora as palavras estejam corretamente escritas e até bonitas. Ou seja: As palavras mesmo até ficam envergonhadas, coitadas, com as besteiras, asneiras, tolices, mentiras, bolas-fora, sandices, loucuras, abobrinhas … ignorâncias, enfim, que são obrigadas a transmitir, ali no papel… que aceita tudo. Amante das palavras bem usadas, eu poderia até defender até cadeia para que faz isso com elas! É ultrajante!
É o caso – para citar o exemplo mais atual – de leigos e até grandes empresários, ou políticos, que teimam em “não receitar, apenas sugerir”, dizem, tratamentos para a Covid 19 usando medicamentos que os próprios fabricantes já reconheceram: Não fun-cio-na! Os mesmos que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) não recomenda! Alguns são a tal ponto teimosos (a maioria dessa espécie é) que dizem “se o médico receitar, está tudo bem”! A estes, tenho poucas palavras:1) médicos, nenhum deles, (e com todo respeito à maioria) são vacinados contra a ignorância, nem contra erros. E nunca vi um médico especialista na área, um médico epidemiologista ou um especialista em Farmacologia, ou em Epidemias, receitar tais medicamentos. E 2) se curasse a doença e com certeza não causassem mal algum, o mundo todo estaria usando! Ou não? Acredito não ser preciso desenhar.
Deixei de corrigir erros de ortografia porque eles não são os piores, os mais inaceitáveis e condenáveis crimes cometidos contra o idioma. Pior é aquele que fala sobre um assunto sobre o qual sabe quase nada, ou nadica-de-nada mesmo! Por isso, o melhor dessa história de não violentar palavras para dizer besteira é a vetusta lembrança, secular, de tão antiga e sábia: Em boca fechada, não entra mosca! Cumpre lembrar que moscas rodeiam, sobrevoam e se alimentam do material que sai pelo orifício oposto à boca, de cada um e de todos… Assim, ao ouvir insanidades saindo de algum aparelho fonador (boca, garganta, pulmões, língua, cordas vocais…) quase dá para ver moscas metafóricas buscando o bolo fecal, e seu respectivo produtor… geralmente alojado dentro de “se achões”…Resumo da ópera: Médico amigo meu, xanxereense pelo duro, profissional respeitado – e que não receita medicamentos não aprovados e não confirmados por órgãos de saúde – costuma arrematar, quando escuta asneiras e abobrinhas: “Boca falou, C* pagou!”. Bem isso!
(Esta Coluna é dedicada ao meu amigo, Jornalista, e especialista autodidata em Extra Terrestres, Ivo Luiz Dohl, atento observador e incentivador de boas palavras! E a uma emérita professora de Português, ilustre leitora da coluna! Muito obrigado, a ambos!)