Os mais novos não sabem – ainda – o que é a famigerada inflação, monstro que ronda nossa casa para esvaziar a despensa! Mas quem frequenta supermercados já notou suas pegadas, ao passar pelo caixa. Durante anos, na década de 1980, acabar com a inflação e conseguir comprar a casa própria eram nosso sonho de consumo. Hoje, esse sonho só pode ser comparado com acabar, ou diminuir ao máximo a corrupção. Meu medo é de que além de não prender corruptos, nem dar um chega para lá na corrupção, daqui uns dias a gente caia, de novo, na mão grande da inflação sem controle. A Covid ainda não tem cura, mas tem vacina e vai passar. A inflação, só quem viveu com ela sabe quanto é difícil acabar…
O tal sonho de consumo nunca se esgota. Em Xanxerê já tivemos muitos: Conclusão da Via de contorno, melhorias na BR 282, no trecho urbano, Ampliação do Hospital São Paulo, Centro de cardiologia, Rede de esgoto, Aeroporto, asfaltamento de ruas dos bairros, sala de cinema, opções de lazer…Alguns levaram anos ou décadas (a via de contorno), outros, menos. Mas em alguns ainda estamos esperando a solução (rede de esgoto, aeroporto, atração de empreendimentos, investimentos em turismo, industrialização de produtos gerados na agricultura…). Nem todos dependem da esfera pública, mas ela sempre pode ajudar… É verdade que hoje o tempo de espera tem sido menor: A via de contorno (trecho Oeste) e a duplicação da 282 urbana demoraram séculos! E as obras na BR foram, que eu lembre, a única melhoria a mobilizar a população, inclusive com bloqueio do trânsito, por algumas horas. E ajudou, muito!
Mas protestos da população, o povo na rua, exigindo providências mesmo, que eu lembre só teve uma ou duas: Contra o anonimato(?), ainda lá na turbulenta década (no mundo) de 1960. E outra pedindo solução para a morte da sindicalista e comerciária Janete Cassol (até hoje um mistério). No caso do anonimato, havia um padre católico por aqui que era meio bossa-nova demais, digamos, e desagradou católicos ultraconservadores, que queriam sua remoção da paróquia. O padre Pedro (o Holandês, não o segundo Padre Pedro, chamado de Pedrão) acabou sendo vítima de uma campanha prosaica: Cartas anônimas eram colocados debaixo das portas de residências denunciando supostos “pecados” do padre, com acusações sem provas. A Xanxerê de então nem telefone tinha. Um dos motivos do protesto – veja bem 1 – era a missa com o padre rezando de frente para os fiéis e em Português, ao invés de Latim…
Não lembro como acabou a confusão, que culminou com carreata de estudantes e filhos de boas famílias, todos vestidos de preto, com cartazes em defesa do padre e contra as cartas anônimas. Seu Ivo Zolet fez fotos, já publicadas pelo extinto Jornal de Xanxerê, o Jotaxis. Extraoficialmente dois cidadãos de bem, ambos já falecidos, teriam sido os autores das cartas, segundo a rádio corredor. Mas nada ficou provado, nem oficialmente revelado. Conflitos de católicos com padres da própria Igreja de Roma tem muitas histórias no Oeste. Em Chapecó, é famoso o caso de uma cadeia queimada, com pessoas presas nela, que morreram ali mesmo. Foram linchadas por parte de alguns moradores, pessoas conhecidas à época, sob a acusação de terem ateado fogo numa igreja. Mais tarde ficou provado que os acusados eram inocentes…O caso tem livro narrando o que aconteceu. E até hoje é um assunto não muito comentado, por alguns chapecoenses…
Os católicos xanxereenses também fizeram muito movimento para afastar daqui outro Padre, o Cleto, no final dos anos 1980. Mandar Padre Cleto embora também virou sonho de consumo, falo sério! Nesta vez sob acusação de Cleto ser pé-de-valsa, demais: Frequentava bailes e – veja bem dois: Dançava com as moças! Bem isso! Mas lá no fundo, o motivo era outro: Padre Cleto era forte defensor dos movimentos populares, atuante nas pastorais, especialmente da juventude e identificado como ultra petista. Naqueles anos ele não chegou ser taxado de comunista, seria muito exagero…. Mas a onda de preconceito o transferiu para a Diocese de Chapecó. Um episódio dessa época é icônico da situação: Um vendaval arrancou o telhado, de zinco, da Igreja Senhor Bom Jesus. A comunidade católica se uniu para reconstruir e numa dessas reuniões, um empresário católico, de “muitas posses”, proclamou numa reunião: Se Padre Cleto for embora, eu pago o novo telhado! Se pagou, não sei, mas o padre voou…
A antiga “Capital do Gatilho”, hoje catapultada à “Campina da Cascavel” segue a linha de ultraconservadorismo presente em todo o Oeste catarinense, parte por influência da Igreja Católica, mas não só: A formação conservadora e seletiva de parte dos europeus que colonizaram o grande Oeste ajudou, e muito. Tanto os pioneiros descendentes de italianos, como de alemães (os dois mais numerosos), a maioria deles, herdaram valores sociais “normais” – naqueles tempos, no mundo todo. Mas logo rejeitados como preconceitos, racismo, discriminação. Isso demora a ser removido do meio social…E desde o descobrimento, por muitos anos, a Igreja considerou selvagens, sub-humanos, os indígenas “não catequisados”. Já os negros ex–escravos e seus descendentes sofreram e sofrem até hoje discriminação e preconceito racial, principalmente na região Sul, mas também em todo o Brasil. Por muito tempo a sociedade branca usou os negros como “mão-de-obra gratuita”, escravizada. Com a abolição isso deveria ter acabado, mas muitos ainda gostariam que eles trabalhassem de graça. E sob chicote….
Esse conservadorismo é pai e mãe de vários comportamentos hoje condenados pela ascensão, no mundo todo, do “politicamente correto”. Imigrantes europeus, por exemplo, eram ferrenhos defensores do papel da mulher limitado à procriação e às tarefas domésticas. Algo que hoje se traduz e alimenta agressões e feminicídios: Homens criados na mesma ideologia de seus pais não aceitam a independência, nem a igualdade da mulher. E europeus colonizadores do Sul viam os negros, ex-escravos, como seres inferiores, e “sem vontade de trabalhar”. Importante frisar aqui: Não menosprezo, nem condeno os erros dos colonizadores e da colonização. Naqueles anos, aqui no sertão, era “normal, o que todos faziam”… Mas é impossível fechar os olhos para as sequelas que tais “tradições” até hoje permeiam a sociedade brasileira e Oestina. E é importante ter isso bem claro, para enxergarmos a história como ela foi, realmente. Sem maquiagens, e sem passar pano.
Quando a Pandemia começou, há quase um ano, os profetas do otimismo viram nela o possível surgimento de um “novo normal”. Mas não aconteceu e, ao contrário, o que se vê na verdade são atitudes, mentalidades e comportamentos que remetem ao começo do Século 20, quando a colonização europeia veio substituir a escravidão e colonizar o Brasil, de São Paulo para o baixo. O tal “novo normal” é muito parecido com o que acontecia lá por 1900 e poucos: nega-se a Ciência, lá porque ainda era algo bem distante do ignorante Brasil. Se o leitor quiser, pode ler na Internet sobre a “Revolta da Vacina” na então Capital do Brasil, o Rio de Janeiro: De 10 a 16 de novembro de 1904, o povo foi às ruas protestar contra a obrigatoriedade da vacinação contra a gripe espanhola…
Não duvido de uma nova revolta contra a vacina, hoje. Os negativistas são muitos e anexaram poderosos, ricos e “se achões”, sem precisar de ciência, nem de muito estudo. E elegeram o presidente do Brasil, portanto acreditam que são a cara (e os donos) do poder! Estão no poder no Brasil e, ainda, em outros países do mundo – inclusive nos Estados Unidos, de onde foram defenestrados dias atrás, com o Ex (ainda bem) Presidente Trump; O novo presidente Norte-americano não é nenhum salvador do mundo, mas não é negacionista, para nós um alívio! E uma dor de cabeça para os negativistas bolsonaristas! Para mim, isso explica (mas não justifica!)fatos inacreditáveis, tipo os terraplanistas, surgidos poucos anos atrás e antes ainda da Pandemia…. Mas, pelo andar da carruagem – e ainda bem – não por muito tempo. Ninguém vai aguentar tanta burrice e tamanha ignorância – que beira à selvageria e retrocesso – por muito tempo. É um novo sonho de muitos, da maioria, dos brasileiros!