Tenho inesquecíveis, belas e hilárias lembranças da Dona Alice Periolo Scirea, a senhora minha Mãe – que Deus a tenha! Mas a que sempre chega primeiro nas recordações é ela sentada na sala em frente à TV, e eu lendo um trecho do livro “O Profeta” de Kalil Gibran, uma espécie de bíblia para aprendizes de filosofia oriental, nos anos da graça de 1970 e poucos, tempos de faculdade. Cheio de razão li para ela – mãe do modelito italiana e, portanto, dona de seus filhos – um parágrafo que dizia, mais ou menos, que “nossos filhos não são nossos filhos. Nossos filhos pertencem ao mundo…”, e seguia uma fieira de argumentos para afirmar que mães e pais não são proprietários dos filhos que geram. Ela ouviu uma parte e logo me interrompeu: “O quê??? Bruto pórco! Você é bem meu, viu?!! Que eu te carreguei nove meses comigo”!… O Profeta perdeu de goleada! E tive que dar abraço, apertões e beijos, sentado no seu colo – igual ao que todos seus filhos gostavam de fazer!
Falar da mãe da gente, especialmente das que já se foram mesmo lembrando momentos felizes, sempre dá tristeza e para mim, vontade de chorar, que sempre fui chorão, desde calças curtas. Mas Dona Alice era acima de tudo, alto astral! Daquelas que sacodem os ombros quando riem! E que sempre dão vontade de apertar e de pedir colo quando está por perto. Mãe de sete filhos, ela se esmerava em insistir que gostava de todos, sem preferência por nenhum. Mas vários tinham essa pretensão. E só para vê-la esbravejar exercer se legítimo “italianismo”, a gente se apresentava já anunciando que “a senhora gosta mais de mim! Eu sou o melhor né”? Isso jamais ficou sem resposta, séria e na lata: “Eu gosto de todos, igual”, garantia ela, aparentemente sem achar graça na brincadeira. E gostava mesmo, todos sabiam, e muito bem disso!
Queria muito que ela estivesse aqui, ainda, sem dúvidas! Mas ao mesmo tempo imagino sua incredulidade, tristeza e insatisfação com o rumo que muitas coisas do mundo tomaram, nestes 22 anos de sua ausência. Minha mãe era de ajudar a todos e às vezes até a quem não merecia. E se algum irmão brigasse com outro – o que que era comum, em criança – o “castigo” era sempre o mesmo, sem interessar que estivesse certo ou errado: “Vai lá, pede desculpas, faz as pazes com teu irmão e dá um abraço nele”! Ela não era de economizar chineladas, quando julgava ser preciso. Mas não eram chineladas, nem varas de vime ou de marmelo, suas “principais ferramentas” para educar os filhos. Sua autoridade dispensava atos de agressão ou de violência, hoje condenados por educadores e especialistas. Autoridade tinha, de sobra, mesmo num simples olhar…
Lembrei da Dona Alice não apenas porque domingo é Dia das Mães. Fiquei pensando no caso de Saudades, nas tristes mães que perderam suas crianças, menores de dois anos! Uma barbárie que pela primeira vez, no Brasil, ceifou vidas ainda totalmente inocentes, de uma forma brutal, desumana e inaceitável, inimaginável, incrível. E também pelas duas servidoras da creche, mortas ao tentar proteger as crianças de monstruosa chacina – que vai marcar para sempre uma pacata e simpática cidade, com dez mil habitantes. A desgraça é irreversível e a dor será eterna. Mas penso também em que condições estará o coração da mãe do agressor, que tem também uma filha adolescente. E mesmo que se possa querer responsabilizar essa mãe por falha, desatenção ou despreparo ao educar seu filho para viver em sociedade, penso que a dor dessa mãe também é imensa, imensurável. E talvez multiplicada por cinco. Em relação ao amor aos seus filhos, mães são todas iguais…
Uma das maiores alegrias que eu sei da minha mãe, porque ela disse isso, várias vezes, é a que ela não viu, nem jamais precisou, enterrar um de seus filhos, o que deve gerar uma tristeza infinita. Ela nos recomendava cuidados, sempre, quando saíamos do seu campo de visão. Imaginei minha mãe comentando a chacina de Saudades, e com certeza ela acharia que o agressor não estava no pleno uso da razão, para cometer tais horrores. Ela defenderia que ele pagasse pelo que fez, de acordo com a lei dos homens, e também diria que suas contas com Deus também teriam que ser acertadas, um dia. Mas duvido que minha mãe desejasse que o agressor “pagasse com a mesma moeda”. Ou que lhe fosse tirado a vida – como centenas, milhares de internautas vem “pregando”, detalhando requintes de crueldades, nas redes sociais, desde o trágico acontecimento. Minha mãe era extremamente católica, e jamais defenderia, a quem quer
que seja, que se tirasse a vida de alguém com as próprias mãos ou de qualquer outra forma. Só Deus pode dar e tirar vidas. Ela pensava assim, e eu, também!
Ao ler alguns tétricos, terríveis e abomináveis comentários trucidando – com impublicáveis palavras de ódio – o homicida das crianças e das professoras, veio na hora uma resposta a eles: O mesmo repugnante ódio que tirou a vida das cinco vítimas inocentes, invadiu suas almas – que têm a coragem de vir a público dizer, por escrito, que agiriam com a mesma desumanidade e a mesma selvageria com que o homicida agiu. Igualam-se a ele, nas intenções, o que não é de se desculpar pela grave emoção, e muito menos de se aceitar! Ontem ainda li que o pai do agressor, profundamente abalado, sequer consegue falar com um advogado – tarefa que ficou por conta de um tio. E o pai do agressor é.… analfabeto! O bárbaro crime praticado pelo seu filho certamente resultará em uma grande pena a ser cumprida, pelo resto da vida. Por ele, pai, por sua esposa e pela outra filha do casal. Um crime desse nível de brutalidade e covardia vai exigir, de todos, uma penosa via crucis vida a fora! Mesmo que eles não tenham cometido nenhum crime…
Posso ser acusado de “bonzinho” com a barbárie cometida pelo agressor. Mas procuro me guiar por algumas premissas que sempre aceitei: 1) O agressor deve ser condenado e pagar – segundo as leis vigentes – por tudo o que fez! 2) infelizmente nada do que possamos fazer vai devolver as vidas que foram ceifadas. Mas essas preciosas vidas – e sua trágica perda – devem servir para que possamos evitar outras tragédias assim. Precisamos dar atenção maior aos filhos! Hoje, muitos pais pensam que pagar a escola e exigir que o filho frequente as aulas, é tudo a que são obrigados, enquanto pais, para educar seus filhos. Mas não é!
”Botar filho no mundo” é muito mais que isso. Dar educação aos filhos não é apenas pagar o colégio e exigir que ele estude. Nossos filhos pertencem ao mundo, e nós, os pais, temos o dever de ensiná-los a conviver em harmonia com o mundo, com as leis desse mundo! E com todos os que vivem nele. E, por último: Ninguém, literalmente ninguém, por motivo algum, tem direito de tirar a vida de quem quer que seja. Quem faz isso é criminoso, e deve pagar pelo seu crime, conforme está na lei!
Bom final de semana a todos (as). E um Feliz Dia das Mães a todas Elas!