Dezembro era bem melhor quando existiam “férias grandes”! Nelas eu morava por três meses na casa do Tio Arnaldo e da Tia Diva, meus padrinhos, mais os primos Adroaldo e Adriano, mais a Alzira, que era da família, lá na comunidade do Rio Forquilha, interior de Vitorino (PR). O charme do lugar incluía uma serraria, uma vila com cinco ou seis famílias de empregados, campinho de futebol, cancha de bochas, uma imensa invernada onde viviam inúmeros tatus, sabiás, tico-ticos, pombas, nhambus, tucanos, periquitos, papagaios…
Um “barbaquá” torrava, socava e moía erva-mate, e uma “roda d’água” tocava o dínamo, que gerava energia para todos, até as dez da noite. Também tinha um chiqueirão de porcos, criação de cabritos, parreiral, pomar de laranjas e bergamotas, vacas de leite, estrebaria, açude, e o Rio Forquilha – com cascatinha pra tomar banho. No meio de tudo, uma grande garagem de caminhões servia de oficina, onde Tio Arnaldo e ajudantes consertavam os caminhões e tratores. Uma aventura perigosa era ir para o mato de ajudante do caminhão, buscar toras para a serraria. Ou percorrer a cerca da invernada, procurando furos por onde o gado invadia as roças de milho.
Dezembro era uma festa onde o Natal propriamente nem era o principal, mas foi lá no Forquilha aos cinco ou seis anos, que vi pela primeira vez o papai Noel, e assustei: Com medo, porque diziam que ele castigava criança desobediente, sai correndo e pulei no colo da minha Tia Diva. O bom velhinho era o extrovertido “Seu Rufatto”, chefe de numerosa família e encarregado de descascar as toras de pinheiro, no mato, a machado, e colocar no estaleiro com o trator, e depois carregar no caminhão.
A casa dos meus tios era outra atração. No porão tinha churrasqueira e adega, com grandes pipas de vinho e cachaça. O tanque de lavar roupas tinha água corrente, dia e noite – que vinha do morro logo atrás da casa. Além de garagem para um Ford 29, relíquia do Tio Arnaldo, um adorador de carros, e um Chevrolet Bel Air, ano 1956, verde e branco, que nos levava a Pato Branco para fazer compras, com a Tia Diva na boléia – raridade para a época! E para Vitorino, nas manhãs de domingo, para ir à missa, de sapato e ‘roupa domingueira”. Nos demais dias o uniforme era calça comprida – para fugir dos mosquitos, chapéu e botas, para o caso de topar com alguma cobra…
Saindo do porão dava-se num pátio cercado, território e moradia do “Negrão”, um cão perdigueiro (Setter) imenso, inteligente e muito bonito, que conseguia nos levar “a cavalo”. Ao lado do pátio tinha a horta e um cercado ao redor do galinheiro, para recolher as penosas à noite, senão a raposa pegava. As galinhas eram soltas de manhãzinha e circulavam no entorno da serraria, subiam o morro e iam longe. E uma atividade obrigatória, decretada pela Tia, era pegar uma cesta de vime, facão, bota e chapéu, e sair em busca de ninhos de galinhas, no meio da capoeira nos arredores da serraria. Voltávamos com dúzias de ovos, e se tivesse ovo azul virava gemada, feita pela Alzira, criada da Tia, que falava mais o Italiano que Português…
Televisão não tinha, mas eletrodoméstico, tinha: luxo da casa era a geladeira, “tocada” a …querosene! Tio Arnaldo era engenheiro autodidata, antenado em novas tecnologias. Ele também era quem controlava o fornecimento de energia gratuita a todas as casas de empregados: Um forte fio de arame – que vinha desde a canaleta de água que movia a roda d’água, até o corrimão da área da casa, há uns 500 metros – desviava a água, paralisava a roda e.… apagava as lâmpadas. Hora de ir dormir. E isso eram mais ou menos entre as 10 e 11 da noite. Cedinho da manhã não raramente eu acordava com cheiro de polenta na chapa do fogão a lenha, “brustolada” por meu padrinho, madrugador e sempre o primeiro a acordar!
A primeira coisa a fazer, sempre que eu chegava no Forquilha tinha a ver com a herança genética italiana e uma das paixões de meus tios descendentes da “Buona Gente”: Um bodoque para (tentar) matar tico-ticos e sabiás, pois naqueles anos isso era um esporte perfeitamente aceito, normal. Mesmo assim e para sorte dos passarinhos, nunca consegui ser um grande caçador com bodoques, lá no Forquilha. Só virei (quase medíocre) caçador anos mais tarde, com mais de 14, com espingardas. Mesmo assim, ainda de manhã encher uma sacola, levada a tiracolo, de pedras mais ou menos arredondadas para “municiar o bodoque”, e ir para a invernada caçar passarinho, era o programa quase diário. Caçávamos coisa alguma, mas nos sentíamos “gente grande”, porque já íamos caçar!
Passei inesquecíveis “férias grandes” (as pequenas eram em julho, quando eu também migrava para o Forquilha) dos seis aos 14, mais ou menos. E voltei pela última vez à casa dos meus tios, “no Forquilha” (que não existe mais) em 1975, com 21 anos, quando passei no vestibular e fui visitar os padrinhos. Recentemente insisti e de tantas saudades…. fui até o Forquilha! Mas me arrependi: Não tem mais casa alguma, nem serraria, nem roda d’água, invernada, negrão, porão, ninho de galinhas e barbaquá. Virou área de reflorestamento e são raras até as fotografias daquele lugar maravilhoso…Fotografar era muito caro naqueles tempos.
Mas na minha memória estão todas lá, essas férias. Essas e muitas outras, com os churrascos aos domingos, ou as caçadas que meus tios faziam nas matas do entorno do Rio Iguaçu, quando vinham amigos e parentes do Rio Grande do Sul, de onde “todo mundo saiu”. E quando alguém estranha meu gosto – e minha sintonia – com as coisas do mato e da vida primitiva eu lembro, com muito orgulho: “Quem fez estágio no Forquilha não morre pagão”!
Uma boa semana a todos (as)!