O brutal e covarde assassinato de crianças menores de dois anos, e de adultos que cuidavam deles, cometido por um garoto de 18 anos, mostra que a barbárie não tem, ou está sem fronteiras. Aliás, não mostra, reafirma! A análise de crimes dessa dimensão invariavelmente, sempre, nos remete a pensar em que tipo sociedade estamos vivendo. E o tipo de civilização que o bicho Homem (nós!) Construiu.
E ainda, mas não finalmente, quem é esse “animal racional”, o único inteligente no Reino Animal?? Um rapaz de 18 anos sem passagens policiais, aparentemente com problemas psíquicos ou mentais e, segundo informações iniciais, bem-criado, trabalhando e estudando, de boa família, tem uma espada de samurai em casa. Pega ela, vai até a creche a passa a matar quem estiver na frente. Não, a culpa não é da espada em casa, nem de quem comprou a espada, nem dos filmes que o rapaz viu na TV. Para mim, ao menos, os culpados são muitos. Ou melhor “somos muitos”!
O menino (alguns preferem chamar de monstro e não lhes tiro a razão) não foi criado em Marte, nem em Vênus. É um Terráqueo, igual a todos nós! Legítimo e autêntico produto da sociedade em que vivemos! Um irmão, portanto. Mas na porta do Hospital em que está internado teve gente esperando. Alguns o juraram de morte! Outros desejaram que ele morresse, também. Nas redes sociais, está assim de gente prometendo mata-lo e, pior: Para ver sua família sofrer a mesma dor das famílias brutalmente enlutadas! Sentimentos tenebrosos e cheios de…ÓDIO!
Vemos todos os dias na TV, no rádio e na Internet, a violência invadir e matar – com requintes de crueldade, ou sem nenhuma preocupação com crueldades – pessoas inocentes, incluindo crianças. E o que nós fazemos, todos os dias? Lamentamos, escrevemos artigos, condenando, analisando, falamos com familiares e amigos que isso é o maior absurdo, uma loucura! Um prenúncio do fim do mundo, ou da civilização aqui na Terra. Porém, na prática mesmo, fazemos coisa alguma – nada – para tentar impedir outras chacinas.
Temos muitas outras preocupações, não podemos sair por aí querendo resolver os problemas do mundo, da violência e da crueldade humana, que sempre existiram. E que estão longe de serem vistas como uma novidade. Viemos das cavernas e, muitas vezes, as cavernas ainda estão dentro de nós, não saem de nós! Ações de barbárie, como a de Saudades, ainda têm a capacidade de nos revoltar e indignar. Mas não deveriam.
Crianças indefesas serem trucidadas é uma realidade muito comum – e praticamente diária – no mundo dos Homens. De hoje e desde muitos anos atrás. A diferença de agora é que o noticiário sobre os crimes é muito mais veloz e mais intenso. E o acesso do povão às redes sociais possibilita, hoje, a multiplicação infinita de manifestações de pesar, indignação, solidariedade, raiva e, principalmente, de ódio mortal ao homicida.
Ódio! Cultivar o ódio, ou vários ódios seletivos – muitos sem motivo algum – é uma tendência já detectada, também, há um bom tempo. E tem merecido análises e pesquisas. Principalmente para identificar os motivos de tal sentimento estar se espraiando por todos os lados da vida humana. E isso, a multiplicação do ódio, é claramente vista, ostentada e colocada na vitrine – para quem quiser ver – através da escalada da violência! Noticia-se isso, as ocorrências se agravam e só aumentam. Mas não se vê ações efetivas para estancar o ódio e a violência!
Mortes violentas de mulheres, gays, idosos, indígenas, crianças…a maioria delas motivadas pelo ódio, também povoam o noticiário de todos os dias, e não ficamos mais nem abismados. É normal! Faz parte! Vai fazer o quê? É o fim do mundo! Não tem mais jeito! Tais expressões são algumas das desculpas que damos – a nós mesmos e aos outros – para tentar justificar nossa passividade, ou nosso “deixa-pra-lá”, sob a justificativa de que não podemos fazer nada.
Mas, será que não podemos, mesmo? Combater, denunciar e criticar a cultura do ódio, por exemplo, poderia ser um bom começo! Ensinar as pessoas a respeitar e se instruir, antes de apenas ofender e exigir; ensinar a cooperar e ajudar, antes de pedir tudo pronto e acabado, ali na sua mão; fazer cada um a sua parte, ao invés de cobrar e cobrar e cobrar a parte ”dos outros”. Preocupar-se, primeiro, em ser um cidadão consciente de seus deveres. E não apenas dos seus direitos. Passar a todo mundo a necessidade de se viver em harmonia, não exalando ódios!
É fácil apontar problemas nos outros. Difícil é nós mesmos olharmos no espelho e nos chamarmos (mesmo de costas) de feio, ou de pouco inteligentes, digamos! Aí o pau pega! Porque “o diabo, os problemas, as coisas erradas, as ignorâncias e as imbecilidades, sempre são obra dos outros. ”A minha é que não! Eu sou um cara legal! Faço nada de errado e nem tenho nada a ver com isso”! A culpa, sempre dos outros, é a nossa maior mentira!
É mentira porque não somos perfeitos e erramos, muitas vezes. Mas assumir essa culpa…aí,demooooooora! A culpa é dos outros, e ponto final! É preciso combater a cultura do ódio e o crescente uso da violência? É! Mas quem vai fazer isso? Você, sinceramente, teria coragem de pedir a paz? De usar novamente o mote dos anos 60, o saudoso “paz e amor”? Num tempo em que o que vale mesmo é a ostentação da riqueza e a apologia do “vencem os mais fortes”?
É muito triste e uma monstruosidade enterrar crianças mortas covardemente, sem motivos e sem qualquer chance de defesa. É uma tragédia ver professora e colaboradora de uma escola serem mortas covardemente a golpes de espada, dentro da escola onde trabalhavam, e amavam o que faziam!
Mas eu também penso que é uma covardia colocar toda a culpa do rapaz de 18 anos, que pouco saía de casa, tinha poucos amigos e teria, talvez, sofrido bullying na infância. Sem dúvidas ele é o autor do crime, e deve pagar por ele, com toda a rigidez da lei! Mas a culpa de tudo o que aconteceu não é só dele. Todo mundo também tem culpa, essa é a sociedade que construímos, com ou sem a participação de cada um. Esse é o meio que organizamos (e chamamos de “sociedade”), com leis e condutas aceitas por todos, e escritas, que devem ser respeitadas por todos! Esse é o mundo que nos permitimos ter. E, portanto, um mundo que é de todos, com direitos e deveres, de todos!
Dramatizar, mais ainda do que a realidade já fez, as irreparáveis perdas dessas famílias atingidas pela chacina também é atitude de pouca ou nenhuma ajuda. Mas muito praticada, da boca para fora como forma de mostrar nosso “espírito de solidariedade humana”. De “empatia”, “fraternidade”, “sentimentos cristãos” e outras muletas que costumamos usar para dizer, em outras palavras que “a culpa é dos outros”! Ou que “não tenho nada a ver com isso”!
A verdadeira solidariedade e fraternidade (que estão em falta, faz tempo) seria iniciar um movimento social de combate ao ódio, à violência e aos sentimentos que visam apenas acirrar disputas pelo poder e, óbvio, pelo dinheiro! Tais disputas e a meta de ficar rico e poderoso escondem, propositalmente, o menosprezo e o abandono por sentimentos tidos – desde muito tempo atrás – como realmente sentimentos humanos: O amor, a fraternidade, a lealdade, a amizade e o companheirismo…. Os valores que dinheiro algum consegue comprar! Será ainda possível resgatar esses valores???
Uma tragédia como a de Saudades, mais que gerar ódio, deve produzir, acredito, algum movimento social que alerte para a necessidade de pais estarem mais atentos aos seus filhos. A vida de hoje não dá mais espaço para o amor desinteressado, natural. O “cada um por si e Deus por todos” passa por cima do “nós” – a coletividade, a tribo, o grupamento de pessoas que vivem num lugar, é passado para trás, na fila…. O que aconteceu em Saudades nos disse, mais uma vez, que a sociedade está doente. Sofre de uma doença chamada Cultura do Ódio. Algo que, também, o dinheiro permite e incentiva!