Aqui tudo é perto, não tem que pegar o Porto da Lagoa e nem precisa de carro, dá para ir a pé, por tudo. É bem verdade que em Xanxerê não se vê o mar, subindo o morro da lagoa de ônibus para ir comer pastel e beber caldo de cana, nas manhãs de sábado no centro velho. E dar umas voltas pelo Mercado Público com cafezinho no Ponto Chic. Floripa é muito bom e dá saudades sim, igual a tudo que é bom, e apesar da cidade grande. Mas o bom mesmo é gostar de andar bem acompanhado, com a Ia ou em minha própria companhia. Companhia essa que leva por onde eu for um universo, ou uma tribo, com fauna e flora indexados, mais as figuras e passagens de amigos inesquecíveis – alguns imortais, que só se revelaram depois de ir dessa para uma melhor!
Essas figuras que moram e vivem comigo me fazem um bem danado. Entre elas têm também a solidão que virou alegre companheira, desde que morou comigo por mais de uma década, de mano, na fase da boemia, bebendo e fumando muito, e nunca mais nos separamos. Acredito que cultivo tais amizades desde os seis ou sete anos, talvez antes, quando era flagrado falando (oficialmente) sozinho, mesmo levando homéricas mijadas dos mais velhos. Nunca me preocupei em explicar ou dar satisfação sobre quem eram meus interlocutores, invisíveis. Era assunto de foro íntimo, e ninguém tinha nada a ver com isso. É verdade que me perguntava se tais diálogos eram coisa “de gente normal”, ou se estava enlouquecendo, mas com o tempo tive certeza que era normal.
As loucuras de cada um, acredito eu, a gente só passa a contar depois de conviver com elas por décadas, pelo menos. Não porque o tempo nos torne senhores com ares de respeito, ou tios da meninada. É porque o tempo nos faz perder as vergonhas que herdamos ao nascer, ou que aprendemos por aí, nas estradas da vida. Nesse trajeto fui trazendo a bordo, no mesmo barco, uma variada e excêntrica população, personagens reais, às vezes alegres, às vezes assustadores, que passam a ser peças do mosaico que compõe essa singular e única figura. Eu sou cada um daquele povo embarcado e cada uma delas tem eu junto. A gente somos muitos e ainda bem que isso nunca aparece, o que estragaria todo o filme. E igual a todo filme, pode ou não agradar. Mas o diretor dele, eu garanto, é genial!rsrsrs.
Porque se a gente não gostar de nós mesmos, quem iria gostar? Bem verdade que em muitas ocasiões me chamei de burro, tapado, ignorante, abobalhado ou de baita xarope! Mas foram momentos de raiva, passageiros, aqueles que fazem a gente perder a cabeça. E até ficar com vontade de xingar esse povo que anda junto, a convite, e sempre bem, muito bem instalado, tipo lordes ingleses. No mais, trato bem minhas companhias, fui bem-educado, talvez até demais, não me sinto bem em deixar alguém me esperando, e chamo até pessoas mais novas de senhor ou de senhora, por hábito adquirido em tempos idos. E me sinto muito bem assim. Não tenho mais qualquer compromisso em agradar, muito menos de parecer simpático ou agradável. Sou assim, e ponto!
Falar com meus botões igual a agora, entretanto, é um novo vício que vem sendo arraigado no dia-a-dia. Ainda não me peguei falando sozinho com eles, em voz alta e em público. Mas acredito que neste ano ou no próximo eu chegue lá! As loucuras – não sei se o amigo e a amiga já notaram – viraram uma espécie de medalha que a gente ostenta no peito. Cada um tem a sua, ou várias delas. São troféus conquistados em peripécias e andanças, amores, amizades, vivências e batalhas, vencidas ou perdidas. Não pretendo me desfazer deles, por dinheiro nenhum, muito menos por cansar de carrega-los por aí como se estivessem no bolso de trás, junto com os documentos. Nos tempos em que estudei Medicina uma das minhas maiores curiosidades foi tentar definir a loucura…
Até onde vai a normalidade é uma das muitas perguntas que nem a ciência, nem a inteligência, natural ou artificial, nem a loucura conseguiram, até agora, delimitar ou medir. Os padrões sociais bem que tentam nos ensinar o que é normal e o que é fora da casinha…Mas há controvérsias! E cá para nós, mesmo reconhecendo a validade e o direito de pessoas serem politicamente corretas, sair da linha e, às vezes, até dar algum tiro no pé também é Agro! É pop! E, ainda bem essa parte não sai na Globo! Pode ser um desviozinho de nada, coisa pouca, mas é para mim uma alegria secreta – só minha e dos meus botões – quando me flagro em alguma contravençãozinha e me chamam atenção. Uma delas é atravessar a rua fora da faixa sem notar o bólido que vem, pilotado por um Barrichello!
Viver com muitas pessoas junto, acreditamos, eu e meus companheiros e companheiras eternas, também é a cara da riqueza! Porque em primeiro lugar você jamais está sozinho – coisa mais chata. E depois porque sempre pode ter alguém atravessando fora da faixa e quase sendo atropelado, para a gente rir de nós mesmos…. Somos tantos que é praticamente impossível não ter alguém ou alguma aprontando das suas, por trás das bombas! E rir também custa nada, dizem que até exercita músculos e produz humores saudáveis, para o corpo e para a mente. Agora com a Pandemia – para citar um exemplo recente – jamais me senti confinado, ou em isolamento total. É bem verdade que engordamos, tanto os botões como as demais parcerias a bordo. Mas os gordos são mais felizes, dizem!
Por essas e outras viver em Xanxerê, ou no Sertão do Rio Tavares, no Porto da Lagoa da agradável Floripa não teve grandes diferenças para nós, para a minha comunidade privativa, digamos assim. E descobri que também levar essa turma junto, para onde eu for, me torna um cidadão universal, modéstia à parte. É bem verdade que nunca fui a Sibéria, nem ao Alaska, nem a Nova Iorque ou ao Afeganistão. Mas junto da minha companhia, com inspirados artistas, suas artes, causos, aventuras e contravenções posso ir até para a guerra, que muda nadica de nada! Recomendo, aprecio e aplaudo quem consegue manter e sustentar, no conforto e com tratamento vip, sua tribo de “índios-velhos”, ou mesmo “caras-pálidas” embarcados na mesma canoa, mares a dentro, ou estradas a fora! Viver sozinho é puro egoísmo. Trate bem, crie, e ame suas eternas parcerias!
Feliz e proveitoso 2021!