Após quase seis meses de confinamento e uns 15 quilogramas mais pesado é hora de fazer um balancete deste ano histórico de 2020. Para ser bem rigoroso na apuração da vida em reclusão, sou obrigado a reconhecer que, para alguém que vivia batendo perna nas ruas, ficar em casa foi uma bela, ociosa e agradável descoberta. Cumpre informar que além da quarentena, o ano também marca minha estreia na condição de aposentado. Assim posso adiantar de pronto que o lugar onde eu mais frequentei foi…a minha casa, e nela a cadeira em frente ao computador, seguido de perto pelo sofá, na cara do aparelho de televisão.
A maior realização do ano, eleita antecipadamente e que ocupa de duas a quatro horas diárias, mas com intervalos de até três dias, é escrever esta Quirera Gourmet. Às vezes num só dia saem duas ou três colunas, mas o normal é uma a cada dia. Comecei no final de fevereiro e lá se vão seis meses, ou 120 colunas, com número de leitores diários ainda crescente, com variações entre quatro mil e seis mil acessos por dia. Confesso que, depois de seis anos sem escrever coluna diária, esse número me surpreende. E bota adrenalina, não esperava ainda conseguir assim em pouco tempo esse excelente número de leitores. Muito obrigado! Prometo caprichar! E se não fossem vocês, com certeza já teria com certeza vendido o moinho e cessada a moagem de milho. Aos poucos alguns leitores começam a se identificar e mandar críticas e sugestões. Reconheço que o acesso à coluna e mais ainda, o tempo para dispendido para os que desejam se comunicar, dar sugestões ou críticas (que também são benvindas) não favorece, nem é muito prático. E para tentar facilitar isso, informo que qualquer comunicação dos senhores e senhoras leitores e leitoras pode ser enviado para romeujornal@gmail.com . Garanto que vou ler, apreciar e responder.
Fora isso estou lendo – preguiçosamente – o livro “Duas viagens ao Brasil”, de Hans Staden, precioso presente de meu amigo Claimar “Pedrão” Granzotto, lá da sua livraria, em Foz do Iguaçu. A preciosidade do livro começa por ter sido escrito no inimaginável ano de 1557, em Marburgo, na Alemanha, terra natal do mercenário e arcabuzeiro Hans Staden, após ele regressar de duas viagens ao recém descoberto Brasil. A primeira, em 1549 passou por Pernambuco e Paraíba, e a segunda, em 1550, quando chegou até a Ilha de Santa Catarina, rumando depois para São Vicente (SP). O livro é da Editora L&PM/ Pocket/Descobertas, com tradução de Angel Bojadsen e introdução de Eduardo Bueno. Na segunda viagem, a bordo de um navio espanhol, Staden foi preso pelo Governador português Tomé de Sousa, e em seguida capturado pelos índios tamoios, inimigos dos tupiniquins e dos portugueses e aliados dos franceses. O autor conta o que viu: paisagens virgens, riquezas inexploradas e a prática ritual do canibalismo, da qual por muito pouco não foi vítima. A obra traz curiosas ilustrações da época, anônimas, e relatos incríveis. E pode ser considerada a primeira reportagem escrita sobre o Brasil!
O segundo livro, um E-book, também enviado por Pedrão, é resultado de pesquisa histórica, realizada por Letícia Maria Venzon a partir do seu TCC no curso de Licenciatura em História na Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS). O título da obra por si só já desperta muita curiosidade para quem, tipo eu, é viciado em livros de História: “Colonização Militar do Oeste Catarinense – José Bernardino Bormann e a Colônia Militar do Xapecó / 1880-1898”. A historiografia do Oeste catarinense com certeza ganhou com a obra um importante reforço, não só pela escassez de livros que abordem o tema, mas pela seriedade e profundidade com que a Historiadora investigou o tema. O livro não se restringe à Colônia Militar Xapecó, embora tenha maior foco nela. Ela aborda também aspectos da criação colônias militares implantadas pelo governo brasileiro à mesma época, nos estados do Paraná e do Rio Grande do Sul, mais precisamente as colônias de Jataí (1855), Xopim (1882), Iguaçu (1889), Caseros (1859), Alto Uruguai (1877), Santa Teresa (1854) e a do Xapecó (1882). A implantação das colônias reflete a preocupação do governo brasileiro na região fronteiriça com a Argentina e com a efetiva colonização da região, então ocupada por indígenas e caboclos. Note-se que a Colônia Militar Xapecó (que também teve sua sede, temporariamente, instalada em Xanxerê), ocorre poucos anos antes da Guerra do Contestado (1912-1916).
Ainda não cheguei ao final das duas interessantes leituras, mas posso adiantar que ambas são curiosas e cheias de pormenores interessantes que nem dá vontade de terminar, mas com calma eu chego lá. E depois conto mais um pouco. As leituras na verdade estão em ritmo de aposentado: Bem devagar. Tanto que tem outro livro que só li a apresentação, mas também é uma leitura que já recomendo, pois já li do autor – Laurentino Gomes – os excelentes 1808, 1822 e 1889, todos sobre a história deste incrível país chamado Brasil! As obras de Laurentino são daquelas que depois de iniciar a leitura ninguém consegue parar, e lê até o final. São livros escritos numa linguagem, narrativa, muito acessível, cheio de detalhes e pormenores pesquisados pelo autor – um Jornalista paranaense que está entre os autores que mais venderam livros sobre o Brasil, nos últimos anos. Considero, por falar nisso, o “1808”, um livro imprescindível a qualquer brasileiro que queira, minimamente, conhecer um pouco de como e com quantos paus se fez essa cangalha,…perdão, esse país! A chegada da família real portuguesa ao Rio de janeiro e a vigência da Corte Portuguesa no Brasil é relatada com detalhes importantes para se entender algumas coisas desse confuso país. O Livro de Laurentino que está na fila de espera também segue essa linha, é “Escravidão – Volume I – Do primeiro leilão de escravos até a morte de Zumbi dos Palmares”. Foi editado pela Globo Livros e recebido com muitas críticas amplamente favoráveis.
Como já falei, ainda estou me adaptando à vida de aposentado e, portanto, nada de pressa – que isso já tive e exercitei muito a vida inteira, até aqui! Portanto ainda estou devendo tirar o violão da embalagem, e começar a criar calos nos dedos. Porém, nesse mister de tocar violão….digamos que “o astral” para tocar e cantar samba não é o mais propício, nessa hora e nesse inacreditável Brasil. Mas é uma das metas da quarentena dessa xaropíssima pandemia e de suas restrições. Também tenho me dedicado a manter contatos com amigos que há meses não abraço, nem vejo a vivo e a cores. Os amigos, é claro, são insubstituíveis. E merecem, sempre, cuidados especialíssimos. De qualquer forma envio, desde aqui mesmo, um forte abraço aos que não tenho conseguido contato. Sempre reforçando o alerta, ou a desculpa, de que agora vocês estão falando com uma pessoa a-po-sen-ta-da. E, portanto, nada de pressa! E resta, ainda, um importante aviso: Cuidem-se! Usem Máscara! Evitem aglomerações! E por favor, mantenham-se fortes e saudáveis. Que a gente ainda vai contar muitas histórias e rir, muito, dessa intrometida pandemia!