Mais que estação das flores, a primavera que se aproxima – e as outras que já se foram – rima com renascer, rebrotar, reviver, reunir e reagir. Os dias atuais são riquíssimos em comentários do tipo “o que está acontecendo com esse país e com o mundo todo”. E é cada dia mais comum encontrar pessoas que não sabem mais o que dizer, nem têm como explicar aberrações, absurdos e barbaridades cometidas e noticiadas. O mais comum é a gente se declarar impotente para fazer qualquer coisa, e muitas vezes isso é verdade. Sozinho ninguém faz verão, nem primavera, mesmo que se fantasie de andorinha.
A espécie humana sobrevive – e se mata – porque é gregária, vive em agrupamentos, ou sociedades, comunidades, povos e nações. A inteligência e a necessidade de preservar a espécie conduz a boiada humana a conquistas que preservam a vida. E a guerras que matam e, dizem, garantem a hegemonia e o poder de uns sobre outros, também em nome de preservar a espécie. Que pode, manda. E quem é inteligente, obedece – nos ensinam os donos do poder. Porém há os que obedecem, mesmo sem concordar, pois não têm outra saída. Aceitam o status quo porque não há outra alternativa, se quiserem (sobre) viver. Mas mesmo assim, lutam!
A cada primavera, e na verdade a cada novo dia que traz, ou não, a luz do sol, toda gente deve (ria) renascer, reflorir, reenergizar, revitalizar e reforçar nossa existência por estas plagas, enquanto estamos aqui. Aplaudir o que está certo e criticar o que não está, não nos torna juízes. Mas nos oportuniza a chance de participar do grupamento de pessoas com quem convivemos, de opinar sobre os acontecimentos que movem a vida, os dias, as estações e o ano, nossas vidas. Porém, temos que convir: É muito mais fácil se submeter à ordem vigente, sem críticas, nem contestações, só aplausos…
Aplaudir, sempre, é a atitude mais simpática, mais amiga, porém nem sempre a mais honesta e nem a mais sincera. Na primavera até os pássaros cantam alto e bonito para acasalar e preservar a espécie. Eles cantam para agradar, para “aparecer na foto”. Assim como maioria dos humanos que cantam para agradar – e isso é um legítimo direito de cada um. O Ser que nos criou nos equipou com um aplicativo chamado de autodeterminação. Todos somos donos do nosso próprio nariz e responsáveis, segundo a lei humana, pelos nossos próprios atos. Isso também nos foi dado pelo criador: a responsabilidade por nossos atos…
Se a vida de hoje nos parece absurda, injusta, desumana, miserável, ridícula ou cheia de horrores, isso é apenas o resultado da nossa vivência, das nossas opções, dos nossos atos, da nossa opinião ou silêncio, da nossa aceitação, pacífica, dos fatos. Para enriquecer é preciso trabalhar (se não ganhar na loteria). Para a vida melhorar é preciso, ao menos, falar, dizer isso em alto e bom som – para a coletividade ouvir e analisar. Se nos calamos e só aplaudimos, até o que é errado – ou fazemos olhar de paisagem – damos a entender que está tudo bem, que não há do que reclamar, e a vida segue nos seus trilhos, sem mudanças.
Analisar os fatos – sempre se enxergando como um grão de areia, porém mesmo assim enxergando e dizendo o que está achando da praia em que se vive é o tal exercício de cidadania! Essa palavrinha ao mesmo tempo simples e difícil de ser entendida por muita gente. Numa sociedade onde muitos integrantes pensem e ajam com o interesse voltado ao bem comum – e não aos interesses exclusivamente pessoais – existe a óbvia tendência de as coisas andarem melhor para todos, ou para a maioria. Agora pense ao contrário: Numa sociedade em que cada um pense somente em si mesmo, e o “resto é que se lasque”, o coletivo vai mal…
E aí, nessa sociedade egoísta e voltada aos interesses de cada um, não nos interesses de todos, a “culpa” pelas desgraças e injustiças, barbáries e desumanidades nunca é compartilhada por cada um. Ninguém admite “ter parte nisso”. A desumanidade é responsabilidade “dos outros”! Não fui eu, não participei disso, fiquei calado, não me meti, então não sou culpado de nada! A culpa é dos outros! Eu sou inocente, praticamente santo! Porém, é um dos ditos mais populares e universalmente aceitos aquele que fala “quem cala, consente”! Ficar calado “porque isso não é comigo”, revela uma amazônica irresponsabilidade coletiva e social.
O egoísmo e a falsa crença de que somos autossuficientes serão as flores mais feias que vão se abrir na primavera que se aproxima. A primavera do ano da peste…. Entre as realidades que a Pandemia do Corona vírus descortinou – embora muitos ainda não a enxerguem – está exatamente a necessidade de a humanidade, o Brasil, Santa Catarina, Xanxerê, nosso bairro e a nossa rua se reunirem, se replanejarem e se reprogramarem. Quando todos nos achávamos fortes, independentes e senhores da situação, apareceu um reles vírus-que- ninguém-ainda-sabe-ao-certo-de-onde-veio, que simplesmente paralisou o planeta e deixou de poderosos a miseráveis, todos, de calças na mão. E diante disso, como é comum acontecer, a culpa é.… dos outros!
Viver sempre só batendo palmas, e aplaudindo, e elogiando, pode ser traduzido como estarmos vivendo no paraíso, onde tudo é perfeito. E, de novo, nosso criador não nos fez animais perfeitos. E nossas imperfeições, portanto, habitam e povoam o mundo que construímos, ninguém é perfeito…. Ou como descobriu Gilberto Gil (entre outros), “a perfeição é uma meta, defendida pelo goleiro que joga na seleção. E eu não sou Pelé nem nada. Se muito for eu sou um tostão”. O futebol, em terras brasilis, é a linguagem mais popular, e de mais fácil entendimento. A perfeição não é atributo naturalmente humano, por isso mesmo sempre a estamos perseguindo…
Não vejo outra saída a não ser copiar a primavera: Rebrotar, reflorir, renascer, refazer. E isso precisa levar em conta, sempre, o necessário e insubstituível espírito gregário, o interesse coletivo, muito mais que os interesses pessoais e as vaidades egoístas, vazias, tolas e sem importância alguma. Reinventar qualquer coisa não é tarefa para fracos, nem para céticos, ou para materialistas. Imaginemos, então, a imensa dificuldade em reinventar o ser humano, o que se acha superior e perfeito, em muitíssimos, em milhões, de exemplares que vivem nesse planeta e nessa vida. E estes preferem apenas bater palmas… E aí, quando enxergamos absurdos, nos declaramos surpresos. E… culpamos “os outros”…