Em Xanxerê, Existe Racismo?
Os estados do Sul e especialmente Santa Catarina é o Brasil que menos recebeu escravos, a região foi colonizada maciçamente por colonos europeus – alemães e italianos, na maioria – e não teve ingresso maciço de negros escravos, como ocorreu nos estados do centro Oeste e do Norte / Nordeste. E somente nos últimos anos os estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul começaram a ser apontados como a área em que o racismo é mais forte. E isso sempre é negado ou escamoteado, ou escondido. Sou filho e neto de italianos, me adianto a dizer, e embora educado dentro dos dogmas do Catolicismo – que condenam o racismo, cresci ouvindo em Xanxerê sentenças como “Aqui não tem racismo, porque aqui o negro sabe seu lugar”, entre outros absurdos. Conheci, em Florianópolis nas faculdades de Medicina e de Jornalismo, várias pessoas com esse racismo envergonhado, dissimulado mas, sempre, negado. Racista virou palavrão, mas isso nunca impediu que ele fosse praticado e até estimulado, os exemplos são muitos.
Os “doutores Sabe tudo…”
Falar em racismo “ofende” a branquitude, “machuca” a elite branca da sociedade. Os brancos, especialmente, odeiam ser taxados de racistas… Portador do estereótipo “branco e de olhos azuis”, já surpreendi negros, e também apavorei brancos, ao criticar e exorcizar o racismo, como faço aqui. E vou fazer, sempre! Sem achar que isso me faz um ser melhor que os outros, é claro! Em pleno século XXI é inadmissível querer discriminar qualquer pessoa, mais ainda por conta da cor de sua pele. A discriminação – de qualquer origem – já é em si brega, atrasada, condenável. Ela é um sinal de inegável ignorância. E aqui uso a expressão “ignorância” não como xingamento, para dizer que alguém é “burro”. A ignorância a que me refiro remete à ausência de conhecimento e de entendimento do mundo, os iletrados, analfabetos funcionais (alguns até com diploma de doutor), pessoas sem cultura alguma. E muita arrogância, os famosos e profundamente lamentáveis doutores-sabe-tudo…Os donos da verdade!
Tiago, o Jovem Negro que Me Deixou Envergonhado
Há cerca de três anos conversei em Xanxerê com um jovem negro, de Florianópolis, que passara em concurso estadual e veio trabalhar na Campina. Seu nome – talvez alguns o conheceram: Tiago. Ele era filho de uma conhecida que até hoje mora em Floripa. E por isso fui procurar Tiago numa das viagens que fiz para cá, ele não conhecida ninguém, aqui… Seu emprego era bom, fazia o que gostava e tinha salário ótimo. Era um sonho pelo qual ele penou e estudou muito para conquistar, me contou, depois, a sua mãe. Mas meu encontro com ele me deixou triste e muito envergonhado. Tiago me disse com todas as letras: “Essa cidade é racista demais, Romeu! Não quero mais trabalhar aqui !”… Eu pedi o que acontecera e ele me convenceu. Era impossível e inútil negar e fui sincero com ele, reconheci o racismo daqui. Ainda tentei convencê-lo a ficar dizendo que ele conhecera as pessoas erradas, que tinha muita gente boa e que nem todos eram racistas…, mas não adiantou. Tiago pediu demissão do emprego (não tinha transferência) e voltou para Floripa. Mas o pior ainda viria: Desempregado, em Florianópolis, Tiago faleceu meses depois, num fatídico acidente de moto…
Não apenas Com Negros
E em Xanxerê, esse sentimento desumano, do tempo das cavernas, não menospreza apenas os negros. A Doutora Gisela, médica e missionária alemã, já falecida, que fundou e manteve por décadas uma missão para cuidar de indígenas, fez a mim e a outros dois jornalistas que a entrevistaram uma chocante revelação, sobre o Xanxerê que ela conheceu quando chegou aqui, em 1954: Índios naquela época morriam na rua ao relento, nos rigorosos invernos da região, e….ninguém se importava com eles. ”Morriam como cães abandonados”, disse… A própria Igreja Católica, cumpre lembrar, ao vir para o Brasil com os portugueses, “catequisava os selvagens”, porque naqueles tempos, se não fosse católico, não era “Ser Humano”. Menos mal que hoje a Igreja Católica reconhece seu erro, e prega exatamente valores que combatem e condenam o racismo! Mesmo que muitos católicos não gostem (nem pratiquem) isso…
Branco Pobre e filho de Escravo, Conhece?
Outro exemplo do racismo aqui: Conhecido meu certa vez me criticou por defender as cotas para negros nas universidades. Para ele, os pobres brancos, também deveriam ter vagas – um disfarce para seu racismo latente, contra as cotas para negros. Para contrapor à sua tese perguntei a ele: “Quantos pobres, brancos, você conhece, que tiveram aqui avós e familiares que foram escravizados? ”. Ele nunca mais falou em acabar com as cotas para negros. Todos os brancos, pobres, possuem famílias, aqui ou em países europeus, e todos nasceram a viveram como homens livres. Branco, descendente de seres humanos e que foram escravizados, não conheço nenhum…. Sou a favor que jovens brancos de famílias sem recursos cursem faculdades com benefícios ou apoios públicos, iguais aos negros e indígenas. Mas esse é um direito a ser conquistado, como negros e indígenas conquistaram.
“Tudo Vagabundo, Bandido e Ladrão”…
O racismo, penso eu, está incluído aqui no Oeste catarinense numa lista de assuntos chamados de “tabus” – temas que são considerados “resolvidos” e ponto final, “não se discute isso e fim de papo”! Acredito que esse tratamento esconde a vergonha de assumir que ele existe sim, mas “não é bom dizer isso”…. E muito menos há interesse em discutir racismo. Amigo meu, sempre que saía nos jornais fotos com lista de presidiários que fugiram de alguma penitenciária, costumava contar e escancarar: A maioria, negros! E isso para ele era o suficiente para confirmar sua “tese” de que negros, eram vagabundos, bandidos ou ladrões…Confesso que no começo tentei argumentar com ele: Os negros são a maioria da população brasileira, e entre os mais pobres, a maioria é negra. Mas nunca consegui convencê-lo, muito menos mudar a simplória e incorreta ideia, nem esse criminoso sentimento da sociedade em que vivemos. Hoje, ainda bem, meu amigo “não pensa mais daquele jeito”, não por meus argumentos, mas por ter evoluído na sua visão de mundo e de Humanidade!
Entre Três Paulos Só um Era “Preto”
Convivi, também, com um adolescente filho de escrava, que era conhecido aqui em Xanxerê por “Paulo Preto”, frequentava minha casa e era respeitado, tratado como amigo, igual aos outros. Sua mãe, ex-escrava, era empregada na casa de um promotor que morou aqui por muitos anos. O apelido “Paulo Preto”, entretanto, já denotava claramente o sentimento de racismo camuflado: Ele era chamado dessa forma porque na roda de amigos existiam outros dois paulos, um branco e o outro, moreno. Mas só ele ganhou o rótulo de “preto” depois do nome. Alguns podem argumentar que só ele era negro… Verdade! Mas ninguém chamava os outros de “Paulo branco”, nem de “Paulo moreno”. São pequenas coisas, mas de grande significado, hoje, quando o racismo ainda é negado… Porém ele, infelizmente, existe e pode até tornar-se mais forte, se ninguém atentar (e combater) essa desumana, ignorante, e criminosa prática! Ah, esse Paulo hoje é engenheiro aposentado, batalhou muito para estudar, constituiu família e mostrou seu valor – igual a muitos paulos, brancos, pretos, morenos, amarelos, todos seres humanos e cidadãos respeitáveis!