Com amigos e parentes próximos partindo para outras esferas, impossível não mergulhar em pensamentos sobre a vida e a morte. Sobre a morte, sempre lembro que ela é nossa única certeza na vida. Também ouvi muito que a morte só acontece quando chega a hora, e dela ninguém escapa. Mas já vi gente partir quando ainda era cedo…. Sobre a vida os conhecimentos, as teorias e a literatura são muito mais amplas, infinitas. E o conhecimento que temos dela, também. Mas ainda sabemos bem pouco… Viver – e não ter a vergonha de ser feliz, mais que uma grande sacada do poeta Gonzaguinha, para mim é também um verso que sintetiza, senão tudo, com certeza grande parte do que traduzo como vida.
Buscar a felicidade é o maior dos combustíveis que sustentam a vida. Vi pessoas desistirem de viver, porque descobriram, ou não acreditavam mais que poderiam mais ser felizes. Acredito que muitos ignorem que ser feliz é um estado de espírito que depende de inúmeros fatores, aprendidos ou armazenados durante a própria vida de cada um. É algo de cada um, intransferível. A felicidade pode estar no formato de um caminhão de dinheiro no banco, ou no total desapego dos bens materiais. Na vontade de morar na rua, ou na vontade de ajudar o próximo, sem esperar qualquer retorno disso. Aí, adotei esse verso de Gonzaguinha, ser feliz para mim é uma convicção pessoalíssima, individual, imune a opiniões, críticas, elogios, padrões ou julgamentos…
Com mais da metade da estrada da vida já percorrida, no meu caso, e assistindo familiares e amigos de infância sendo levados pela Pandemia, viajar nestas meditações tem sido frequente nos últimos dias, acredito que para a maioria de nós. A maturidade – nome mais agradável de “velhice” – também nos induz a “fechar o balanço”, pelo menos até aqui, da vida. Fiz muitas coisas boas, mas também cometi e acreditei em grandes besteiras. Em ambos os casos, nunca quis prejudicar alguém, ou abandonar os princípios que aprendi com meus pais, na escola, e com a maioria dos bons amigos. Mesmo “suspeito para falar”, penso, é claro, que tenho balancete positivo!
E acredito, também, que até poderia ter feito bem mais, se tivesse mais pressa para viver. Porém cada um tem seu tempo, seu jeito, seus gostos, suas manias e seus defeitos – e todos os seres humanos merecemos ser respeitados, principalmente em nossas escolhas. Não admiro, nem aprovo, obviamente, pessoas que praticam o mal, prejudicam e até matam outras pessoas. Mas entendo que eles fizeram essas opções em suas vidas, e isso está no “pacote” e no direito de cada. Todos temos essa autonomia para praticar o bem ou o mal, liberdade que nos foi concedida pelo Criador, e ele certamente sabia o que estava fazendo! Porém, para conseguirmos viver em sociedade foram necessárias as leis humanas, mas (de novo) cada um pode optar em respeitá-las, ou não.
Tenho amigos que construíram suas vidas trabalhando muito e acumulando capital, melhoraram em muito seu padrão de vida e puderam dar aos seus filhos uma vida melhor do que receberam de seus pais. E também tenho amigos que dissiparam tudo o que herdaram – e o que aprenderam – com seus pais. Não digo que um ou outro agiram certo, nem errado, porque não me cabe julgá-los. Fizeram o que acharam certo fazer. E porque, de novo, eles tinham todo o direito de fazer suas escolhas. Filhos não são bens materiais que possam ser considerados “propriedades” dos pais. Filhos e pais, eu acho, devem viver até a morte em harmonia, mas cada um precisa respeitar as ações do outro, mesmo que não concordem. Posso não concordar, mas sempre é preciso respeitar.
Nos tempos atuais essa palavra – respeito – vem caindo progressivamente em desuso. A falta de respeito ao semelhante é para mim a maior falha que a sociedade humana tolera e faz vistas grossas. Não se respeitam leis, não se respeitam autoridades e, pior de tudo, não se respeitam as opções dos seres humanos, mesmo sabendo que somos todos iguais e que a morte não é uma escolha, ela é para todos. A falta de respeito leva muitos a praticar o racismo e a exercitar preconceitos, contra negros, contra pobres, contra mulheres, contra homossexuais… Muitos defendem a morte sumária para ladrões, bandidos, corruptos. Nunca irei concordar com isso. Não damos o sopro da vida a ninguém, então nos cabe tirar a vida, de quem quer que seja…
Porque condenar é tarefa da lei humana ou da lei divina. Não nos foi concedido o direito de tirar vidas, de quem quer que seja. Não somos deuses, nem sequer juízes, não podemos “fazer justiça com as próprias mãos”. E acredito que antes de condenar erros e defeitos individuais, frutos de escolhas de cada um, deveríamos observar melhor e mais cuidadosamente as nossas próprias atitudes, os nossos próprios erros. E também ao menos termos a coragem e a honestidade de reconhece-los, e assumir as responsabilidades por eles. Uma das coisas que aprendi com meus pais, ainda criança, quando arrumava briga com algum irmão, foi o de pedir desculpas! Pode parecer pouco, ou nada, mas um pedido de desculpas traz embutido o reconhecimento do próprio erro, nos lembra a condição humana, de seres passiveis de cometer as maiores atrocidades.
Viver e não ter a vergonha de ser feliz implica, também, em sentir-se bem e feliz com aquilo que se é – e não apenas com aquilo que se tem, ou com o que se pode comprar. Viver e não ter a vergonha de ser feliz é plantar, cultivar e colher a própria felicidade, sem orgulhos descartáveis, planos mirabolantes, sem vaidades vazias, sem se considerar nem mais, nem menos que as outras pessoas. Ter a capacidade de respeitar e reconhecer a felicidade de todos os demais, sem julgamentos, nem vereditos. Assim julgo-me apenas no direito de considerar que a vida não é fácil. Mas também não é obrigatoriamente difícil, e isso vai depender das escolhas de cada um! Somos os únicos responsáveis pela vida que vivemos, que construímos. Então, conseguir ser feliz nessa vida é tarefa unicamente de cada um, intransferível, a partir de nossas escolhas!
Entendo ainda que o grande Gonzaguinha com seu verso quis dizer que para ser feliz não é obrigatório ser rico. E tal pensamento é uma extensão, ou uma releitura, de um dito famoso, hoje totalmente esquecido e até considerado ultrapassado, ou arcaico: “Dinheiro não traz felicidade”. Embora sejam poucos os ricos infelizes, eles existem, o que comprova a afirmativa. Gonzaguinha resgata a felicidade das coisas simples, sem pompas, mordomias ou extremo conforto. A humildade de um pobre feliz, ao se considerar feliz, jamais deveria ser motivo de vergonha – e para muitos não é! São os que se consideram felizes com o que possuem, com os meios de que dispõe para viver – ricos e pobres, sem querer ser mais que os outros. Mas sem a vergonha de ser feliz! Se Gonzaguinha tivesse composto apenas a letra dessa música, para mim ele já seria genial. Mas ele tem muitas outras, igualmente instigadoras, igualmente felizes!
“É a vida, é bonita e é bonita”!
Um bom final de semana a todas (os)! Sem aglomerações e com todos os cuidados!