Nos anos da ditadura militar (1964/1985) muitas previsões anunciavam que a censura e o arbítrio iriam causar o surgimento de muitas mentes obtusas, desprovidas de uma visão ampla de mundo, sem nenhum senso crítico e com menosprezo aos direitos humanos e à democracia. Atitudes que as liberdades de criação e de pensamento ajudam a formar. Ditaduras “castram” futuros líderes, pois nascer e crescer sob um regime autoritário, onde criticar ou se opor ao poder político (e até ao partido político) dominante era (e no Brasil ainda é) coisa de subversivo, terrorista ou comunista. A ditadura produziria – diziam especialistas – mentes bitoladas, cabeças “pequenas”, onde o pluralismo de ideias e a convivência civilizada e democrática entre ideologias opostas não teria espaço, nem lugar. Quem nasceu e cresceu sob um regime onde era proibido pensar e manifestar seu pensamento – até mesmo pensar que os militares não foram treinados para governar país algum – teve parte de seu cérebro, digamos, interditada. Parte dele não se desenvolveu. Sua mente não foi treinada para aprender muitas coisas, entre elas, principalmente, o direito à crítica e a conviver harmonicamente com quem não comunga das mesmas ideias de mundo e de governos. Era um tempo de imposição: Isso é certo, aquilo é errado, e não se fala mais nisso. E revogam-se as disposições em contrário. Pensar – e aprender a pensar sem proibições – era ato subversivo!
Milhares de manifestações de cidadãos, adultos, com formação universitária e até com mestrados e doutorados, nos dias de hoje, confirmam aquela “profecia” do surgimento de uma geração marcada pelo arbítrio e pela restrição às liberdades individuais e coletivas. Entrei na UFSC em 1975, com 21 anos, e o comentário “político” que estava entre os mais comuns era de que em cada sala de aula havia um informante do SNI (Serviço Nacional de Informações) – que na prática era um órgão de repressão política e intelectual: Se você falasse mal ou fosse contrário aos “Governos da Revolução” – como pomposamente os milicos gostavam de chamar seus governos impostos ao povo – os espiões o denunciariam ao SNI. Eram os populares “dedos-duros”, muitos deles imediatamente reconhecidos e identificados… E através deles você seria intimado a prestar esclarecimentos na delegacia, ou na própria Polícia Federal. Ou, antes disso, poderia até mesmo preso, sem que soubesse o motivo. Se “pensar contra” já era crime, imagine fazer alguma coisa…
Conto isso para muitos que não nasceram e, pior, nunca leram nadica de nada sobre a horrorosa ditadura militar brasileira. A mesmíssima ditadura que hoje muitos negacionistas – de doutores a cantores, atores, atrizes, atletas e outras celebridades igualmente – têm a cara-de-pau de negar! A mesmíssima ditadura que o atual despresidente desse país nega, e ainda glorifica suas ações. E elogia até torturadores! Mais tarde, já na “abertura” ficamos sabendo que também professores simpáticos aos militares e à famigerada ARENA – que sustentou a ditadura – também eram remunerados pela “função” de dedos duros. E até na Faculdade de Jornalismo, na década de 1980, onde 99% dos professores eram contra a ditadura, existia pelo menos um “dedo-duro”, agora identificado, e atuando até hoje sob a carapuça de “comentarista político”. Dos mais famosos, inclusive… Atualmente quando escuto ou enxergo alguém negar a ditadura ou exaltar “seus feitos”, viro as costas e saio no passo. Não vale a pena discutir com quem não conhece a história de seu país. Eles que permaneçam na sua escuridão. É um direito deles. Mas não quero conversa com essas “mentalidades”.
A vida é curta demais para a gente ficar tentando mudar a maneira de pensar das pessoas. Não tento fazer isso há mais de 30 anos, mais ou menos. Desisti quando vi que tais mentalidades sofreram uma brutal versão dissimulada de “lavagem cerebral” ao longo dos anos, e através da educação e dos conhecimentos que adquiriram. Impossível mudar alguns desses conceitos em mentalidades que cultuam o conservadorismo, e nunca mudam de opinião…. Nem por isso deixei, nem deixo, até hoje e para sempre, de reiterar o que penso do mundo e das coisas que as pessoas dizem e fazem. Sei que muitos veem nisso uma tentativa de “fazer a cabeça”, mas não é essa a intenção. Apenas reitero publicamente, e com toda a ênfase possível, as verdades nas quais acredito. Liberdade de expressão, que chamam a isso. E inalienável direito à crítica, um dever e um legítimo direito de todo cidadão – E isso está escrito até na Constituição desse país.
Não vou dizer que me surpreendi, pois já conhecia o personagem, ao ouvir esses dias, um jovem identificar-se como “um conservador que valoriza e defende que se pratique, hoje, os valores que aprendi com meus país e avós”. Ele está exercendo os mesmos legítimos direitos de expressão e de crítica que sempre defenderei. Aceito a opinião, mas não concordo com ela…E também é permitido, por enquanto, criticar pensamentos de pessoas públicas, pagas pelo povo para representar o mesmo povo. Também tive avôs e pais conservadores, coerentes com a época em que eles viveram exigia que fossem. A sociedade daqueles tempos pregava e disseminava o conservadorismo…Embora já naquela época o que eles faziam quando ninguém estava vendo, nem sempre poderia ser chamado de conservador… Hoje, o conservadorismo já é quase sinônimo de atraso ou, no mínimo, é visto como uma atitude que tem mais quase nada a ver com as constantes mudanças, evoluções e revoluções que acontecem, praticamente todos os dias. Muitos dos conservadores de hoje eu vejo como a materialização, o exemplo real, das previsões feitas durante a ditadura, que avisavam sobre o surgimento de cidadãos com limitada capacidade de aceitar e entender a própria evolução da mente humana.
O mundo mudou, as pessoas mudaram, os costumes, a cultura, a música, a ciência, os esportes, as guerras e a própria vida mudou. Não vejo porque, nem como, querer manter todos, rigorosamente todos, os valores e conceitos que nossos pais e avós defendiam. Seria como, por exemplo, pregar e exigir, hoje, que as mulheres casassem virgens… E só os homens poderiam – como os conservadores machistas até hoje defendem – exercer sua (digamos) “liberdade sexual” desde muito cedo! Sem nenhuma intenção de menosprezar, diminuir e nem mesmo de ironizar, posso afirmar que hoje pensamentos conservadores me dão, apenas e tão somente, pena. Dó. E comparo, sem preconceitos, o pensamento conservador com… postes da rede elétrica. Eles nunca saem do lugar, passam a vida todo olhando a mesma paisagem, geralmente para trás…E enxergando somente aquilo que suas limitadas mentes foram domesticadas a decifrar. E julgam ser imutável aquilo que conseguem enxergar. É muito triste isso. Mas não há nada a fazer. Cada um é cada um, e todos têm o direito a pensar o que quiserem. Não sei se conservadores admitem isso. Mas provavelmente defendam, preguem e briguem para que todos pensem igualzinho a eles…