Lá se foi agosto e com ele um mês histórico de malfeitos e zebras, que costumam deixar muita gente com um pé atrás. Um pouco por superstição, outro tanto por estatísticas que atribuem a agosto – “o mês de cachorro louco” – muitos acontecimentos trágicos. Espero que por 2020 já colecionar vasta ficha de notícias desagradáveis, esse último dia de agosto mantenha-se comportado. E passe batido, sem causar novos estragos e preocupações. Aguardamos agora a ladainha de reclamações sobre a decantada independência do Brasil, o grito do Ipiranga e talvez também os saudosistas que defendem a volta da monarquia no Brasil. Essa ala agora tem até um deputado federal paulista, descendente direto de família real brasileira, bem ao gosto dos eleitores de São Paulo, a locomotiva do Brasil. Vai daí que resolvi revisitar a corte…
Imaginei como seria o Brasil com um Rei, como na Espanha ou na Inglaterra, com papel de representante do estado, independente de governos e com funções mais ou menos decorativas. Mas ainda assim influente e, principalmente, um Rei reverenciado e amado pelo seu povo. Pensando num rei, ele obrigatoriamente seria da família Orléans e Bragança, descendente de D. Pedro II. Não fosse o trono um assento presumivelmente privativo da família, seria curioso ver o povão eleger o Rei do Brasil, com cargo vitalício. Porque estamos numa terrível entressafra de, digamos, nomes que possam ser considerados ídolos, populares e queridos. De imediato o nome mais popular que me pula – embora também com alguma oposição – seria o de Neymar Junior, porque não? Se Luciano Huck é um dos nomes cotados para presidente, Neymar também poderia um legítimo pretendente a virar majestade! E reinar, soberano com sua corte recheada com nobres de sangue azul, deitados eternamente neste berço esplêndido! Até o hino faria mais sentido!
Uma conquista inicial do Reino do Brasil seria separarmos, de uma vez por todas, muita gente que se julga rico, poderoso, da elite e privilegiado em todas as esferas (porque tem bastante dinheiro no banco) da classe inatacável e inoxidável da nobreza – a nata de qualquer reinado! Teríamos então só duas grandes classes: a nobreza e a plebe. Reconheço que isso também enfrentaria pesada artilharia dos ricos de hoje, da primeira classe, que engloba a subclasse dos jovens riquinhos, bonitos e famosos. Se esses quisessem, porém, manter o status de elite, eles teriam – para o bem dos cofres públicos, ou do tal erário – comprar títulos de nobreza, tudo em espécie, din-din mesmo, e com total transparência! Teríamos, então – olha só o charme -, barões, baronesas, marqueses, marquesas, condes e condessas e, principalmente, príncipes e princesas! Nem os Estados Unidos tem disso!!!
A corte que cercaria a realeza teria, também, escudo legal semelhante à imunidade parlamentar, então substituída pela imunidade da nobreza. Se roubassem, seriam julgados por um Judiciário “diferenciado”! Afinal, mesmo funcionando como reinado, o Brasil ainda seria…o Brasil! E habitado pelos mesmíssimos brasileiros. Inlcusive com seu inseparável jeitinho. Não se mexe em time que está ganhando! Os políticos atuais seriam inicialmente mantidos intactos, mas receberiam apenas ajuda de custa para deslocamentos a trabalho, comprovadamente. E, finalmente, não teriam mais imunidade parlamentar. Estima-se que as mudanças levariam a “categoria” rapidamente para a autodestruição!
A plebe ignara, a ralé, os pobres e os miseráveis, os excluídos, os negros, homossexuais, as mulheres e todos os que se julgassem discriminados, vítimas de preconceitos ou injustiçados, estes aí sim teriam grandes chances de somar forças e melhorar de vida. E finalmente eles saberiam – conforme sempre foi o desejo dos brasileiros mais poderosos – qual é o seu lugar! Aquela célebre frase “você sabe com quem está falando” seria regenerada e resgatada pelos nobres, que poderiam sacá-la a qualquer momento, impunemente e até com algum orgulho, para lembrar aos plebeus e plebeias com quem eles estavam falando!! Iria clarear muitíssimo as ideias de muitos brasileiros, tenho certeza! As coisas ficariam tudo preto-no-branco. Na monarquia brasileira os pobres saberiam, com toda certeza, qual é o seu devido lugar!
Viajar de avião, por exemplo, ou ir a Paris, ou Miami, hotel cinco estrelas, comprar um Camaro zero ou uma Mercedes seriam luxos privativos da nobreza. O ensino superior e o profissionalizante seria regiamente pagos. A mesma coisa para os serviços de saúde, o SUS seria banido definitivamente! Acabaria essa história de ter jantar de graça! Se pobre quisesse alguma coisa, teria que trabalhar, ganhar muito dinheiro e comprar seu título de nobreza. Os nobres, é claro, teriam serviços públicos de saúde e educação totalmente gratuitos! Os mais ricos mesmo, os barões poderiam optar para fazer mestrado ou doutorado em Oxford, ou na Sourbonne, com tudo regiamente pago pelos sofres públicos da realeza.
Note-se que o Brasil Real (de Rei, não da moeda) atenderia os supremos desígnios da economia neoliberal, já mandada para o lixo em boa parte do mundo, mas não aqui!Repito: o Reinado Brasileiro precisa continuar a ser brasileiro. Ou seja: Atrasado! Ao se estimular o pobre a trabalhar até ficar rico (agora não mais até morrer) e comprar seu título de barão, o Brasil estaria dando um baita ponta pé nos fundilhos dessa gente que não trabalha e só reclama. Em outras palavras, estaria se alavancando, como nunca aconteceu neste país, o tão prestigiado e almejado empreendedorismo. Surgiriam milhares de vagas de trabalho, milhões de micro e pequenas empresas – Muito mais do que as milhares que surgiram com as reformas da Legislação trabalhista e da previdência! O sonho de todos seria filiar-se à nobreza, tornar-se um nobre, e desfrutar das delícias da corte do Rei Neymar Júnior!
Outro avanço estaria na abolição ampla e total de conflitos trabalhistas, ninguém reclamaria de salários de fome, nem de trabalhar quinze horas por dia. A justiça do trabalho, é lógico, seria sumariamente extinta. Como em todos os bons reinados, caberia ao povo a glória de respeitar e reverenciar o Rei Neymar Júnior e a classe nobre. Falar mal ou criticar seria crime passível de prisão e deportação. Jornais e jornalistas seriam oficialmente considerados “coisa de comunistas” e, portanto, regiamente guilhotinados e exterminados!
A última vantagem, o coroamento de todo esse modelo, não poderia deixar de tocar num ponto crucial da grande revolução monárquica: A tal Democracia. É óbvio que numa monarquia à brasileira seria totalmente impraticável, radicalmente impossível manter aberrações como: A lei é para todos; ninguém está acima da lei; todos são iguais perante a lei. Também não teria sentido algum imaginar que todas as pessoas mantivessem seus direitos de livre expressão e de crítica. No reinado verde-amarelo-azul-e-branco o plebeu e a plebeia teriam a liberdade de ir daqui até ali, e voltar. Nada mais que isso. Sem essa absurda, ampla e geral liberdade de ir e vir. Não se pode esquecer que no regime monárquico, cada uma saberia, exatamente, qual é o seu lugar. E ponto final!