Apesar do forte simbolismo que marca a cerimônia da posse presidencial no Brasil, a transmissão da faixa para o presidente que acaba de assumir o comando do país não é um ato regulamentado por lei. A entrega é apenas simbólica, de acordo com especialistas.
Obedecendo a uma previsão constitucional, o presidente eleito toma posse em 1° de janeiro. Neste dia, tradicionalmente, o novo chefe do Executivo visita o Congresso Nacional. Em seguida, ele sobe a rampa do Palácio do Planalto, onde recebe a faixa do ex-presidente, e ambos apertam as mãos, em um gesto de apreço democrático.
O professor e doutor em direito Lênio Streck afirma que não existe obrigação legal de se transmitir a faixa para o sucessor, mas que se trata de um gesto de cordialidade. Ele destaca que o vice-presidente pode cumprir a tarefa, mas que também não existe determinação jurídica. “Poderia o vice passar se naquele dia estivesse no exercício da presidência, mas também não há qualquer obrigação”, destaca Streck, autor do livro Hermenêutica Jurídica E(m) Crise e Verdade e Consenso.
Lênio ressalta que apesar de não existir obrigação legal, “é um ato político que se reveste de enorme simbologia” e que “faz parte da tradição”. O vice-presidente Hamilton Mourão — eleito senador no Rio Grande do Sul — afirmou que não pretende passar a faixa. Nos bastidores do governo corre que essa tarefa poderia ficar a cargo do ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira, que está na coordenação da transição representando a atual composição do Executivo. Apesar disso, também se avalia a possibilidade de que o ato não ocorra.
A advogada constitucionalista Vera Chemim destaca que o decreto de lei 70.247, de 1972, prevê que o presidente da República em exercício e o eleito estejam na cerimônia, mas que na ausência do titular do cargo, o vice-presidente da gestão atual poderá transmitir a faixa. Apesar da citação no dispositivo, a redação da lei não torna o procedimento uma obrigação. No entanto, a cerimônia é prevista legalmente, e o juramento ao texto constitucional é uma etapa obrigatória por parte de quem vai assumir o cargo.
Ao longo da história, desde a redemocratização do Brasil, após o regime militar, apenas o presidente João Baptista Figueiredo deixou de entregar a faixa para José Sarney, em 1985. O presidente eleito Tancredo Neves foi hospitalizado e morreu antes de tomar posse, cabendo a Sarney assumir o cargo.
O país voltava às mãos da população civil após duas décadas de supressão de direitos, o que incluía a possibilidade de escolher os governantes. Havia um clima de distanciamento entre os militares e os políticos eleitos, o que levou à decisão de Figueiredo de não passar a faixa.
Antes disso, o general Floriano Peixoto, que governou o país entre 1891 e 1894, também faltou à posse de Prudente de Morais. E Afonso Pena morreu de pneumonia em 1909, antes de passar a faixa para Nilo Peçanha. Em 1954, Getúlio Vargas se matou, levando Café Filho a assumir o cargo às pressas, sem possibilidade de receber a faixa. Em 1992, Fernando Collor de Mello sofreu um impeachment e não passou a faixa para o sucessor, Itamar Franco.