Todos os dias, quando embarcava no ônibus, olhava para casa e pensava o porquê de viver naquele lugar tão longe. Almoçava ligeiro e viajava mais de duas horas para chegar até a escola. Chegava cansado que nem sabia se era melhor sair da sua casa ou não. A escola era muito longe.
Chegava lá com o sorriso amarelo, afinal não achava a sua vida nem tão bonita, nem tão boa de viver. As crianças da cidade eram diferentes. Gritos, algazarra, tudo contagiava, mas ele, vindo daquele lugar no meio do nada, não tinha vontade de gritar a liberdade, pois acreditava que não a tinha. No máximo, queixar-se dos calos de suas mãos e lembrar-se das mãos do seu pai, nunca alvas, como as mãos dos pais de seus colegas. Sentava lá no canto e tentava fazer com que ninguém, exatamente ninguém percebesse sua existência. Existir era algo que não valia a pena, nem para ele, nem para os calos de suas mãos.
Sempre cansado, ouvia de certos professores que era um menino sem vontade. Ah! Se eles soubessem que sua vontade era existir em outra parte, viver outra vida. Mas eles não sabiam, nem dele, nem dos calos de seu pai, nem do cansaço do trabalho braçal.
As brancas mãos dos seus colegas da cidade traziam maior desconforto. Por que as dele, ainda de criança tinham que ser tão duras? Seu pai jamais hesitara em afirmar que as mãos calejadas desde seus poucos anos fizeram dele um homem digno e que mãos limpinhas, sem terra, sem calos, nem sempre são sinônimos honradez. Ele não compreendia, pois a vida da cidade era bem, mas bem mais simples. Se podia gritar, correr, sorrir e ele? Queria criar asas e voar para longe daquele fim de mundo.
Anos se passaram, o menino se fez um rapaz, até bonito aos olhos das moças que de verdadeira beleza não entendiam. Aprendeu com alguns colegas seus que podia ter vida mais fácil na cidade. O tipo de terra que trabalhavam era mais branca, mais leve e rendia mais dinheiro. Então, o menino bateu suas asas e voou até a cidade grande. Lá, com conseguiu um carrão e uma vida rodeada de supostos amigos. Acreditava compreender que seu pai não tinha sido esperto suficiente e, por isso, as mãos que carregava eram tão calejadas. Numa dessas andanças, dessas festas da cidade, regada a pó e água forte, as mãos do menino, que já não era mais, foram unidas pelo aço.
Tudo foi desfeito e atrás do ferro vertical, de paredes sem sol, de chão sem terra, o não mais menino, que tinha mãos brancas e aprisionadas, resplandecendo o sorriso da infância, agora de alegria desfeita, sentia era saudade das duras e calejadas mãos do pai.