Pessoa que me conhece desde o Século XX mandou na veia: disse que para desmilinguido eu não sirvo mais, com meus inacreditáveis 90 e muitos quilos. Nos tempos em que chamar os outros de gordo e barrigudo não era bullying, nem politicamente incorreto, eu tinha tipo atlético ‘esquelético’, pele-e-osso, pena-e-bico. Ao enfrentar o ‘vento suli’ em floripa fui aconselhado a colocar umas pedras, ou chumbo de pescaria, nos bolsos, para não sair voando rumo às praias do Norte…Pode parecer, para leigos e magros, supérfluo a gente reclamar que engordou e criou uma notável barriga. Mas que dá uma tristeza, dá!
É óbvio que a Pandemia e o desgoverno que nos estragam os dias e semanas também ‘engordam’. Descobri que decepção e vergonha alheia dão fome, por conta dos tais mecanismos de compensação, ou algo parecido. Em compensação, aos seis-ponto-sete adquiri o direito de me chamar de gordo e pançudo sem medo de sentimento de culpa ou de acusações politicamente corretas. E por estarmos no Século das Cavernas e da Terra Plana, liberou geral! O ridículo virou top, gourmet, e tem até Quirera Gourmet! O absurdo e o medonho são expressões até agradáveis, em tempos de desprezo a vacinas e de negacionismo!
Conseguir rir de si mesmo, dizem, é bom para o fígado e faz bem à saúde mental. De maneira que ainda continuo adepto de práticas saudáveis, mesmo pesando quase cem quilogramas. A dificuldade maior, por enquanto, é calçar sapatos e….conferir a ex – silhueta, hoje balão, no espelho! Este também se revelou objeto odioso e detestável. Nunca me achei – por conta de um nariz apelidado de ladrão de oxigênio, uma figura “boa pinta”, ou bonito. Mas também nunca me chamaram de gordo, só de pau-de-amarrar-tripa! Contudo, ainda dá para dizer que a gente vai levando, ancorado nos seis-ponto-sete!
Mas apesar de tudo ainda é possível ser feliz, em breves momentos de alienação dos fatos e desgraças do cotidiano. E porque se não temos muitos motivos para sorrir, ainda temos o compromisso de rir de nós mesmos, na falta de algo melhor. Porque além do peso fora das medidas e padrões recomendados, outros indicadores também denunciam uma trajetória de vida bem longe do perfil de atleta olímpico. Os trinta e poucos anos de tabagismo e a mínima vontade de praticar esportes, depois dos 25, mais as décadas de dedicação ao ‘alterocopismo’, também deixaram seu legado, digamos.
Mesmo assim, ainda lembro de Leila Diniz, uma das musas d’O Pasquim, e mulher muito à frente do seu tempo, que detonou: “Só me arrependo das coisas que não fiz”! Isso lá nos imemoriais anos de 1960, quando a juventude – como nunca antes, nem depois – balançou e agitou as arcaicas e vetustas estruturas da sociedade. Hoje admiro a juventude atual, mas não tanto quanto admirei os jovens do meu tempo. Acredito que fomos mais radicais e ao mesmo tempo mais irresponsáveis, mesmo constatando, hoje, que muitos dos ícones daqueles anos, logo depois, mudaram de opinião. E renegaram suas lutas….
Com a perda de vários amigos para Covid e também por outros motivos, um pensamento que aumentou sua presença junto a Tico e Teco é o…fim da vida. Não gosto da palavra morte pois, em seu sentido literal, não sei ela existe, prefiro acreditar que vamos para outro nível de vida. Mas a morte é a única certeza, desde sempre, e o passar dos anos nos trazem, queiramos ou não, ela mais para perto da gente. O sentimento maior em relação a ela é mesmo a curiosidade. E o mais desagradável é pensar no trabalho e na alugação que dá (imagino eu), ser enterrado! Por isso já avisei que prefiro ser cremado, mas não sei se isso será possível…
O que serve para ajudar a não se preocupar muito com a morte é a constatação de que mesmo com ela ter levado amigos queridos, o mundo mudou coisa nenhuma. Ou seja: Sempre nos é lembrado que não somos, nem minimamente, importantes! E muito menos insubstituíveis, não faremos falta! Ou, sendo um pouco sentimental, talvez façamos falta para alguns, mais chegados, e por algum tempo, apenas. Os mistérios da vida – incluindo seu fim aqui na terra – nos arrastam para elucubrações e “viagens”, mesmo com rasos conhecimentos de Filosofia e conhecimentos diminutos sobre a literatura existente, infinita, pois é tema universal…E geralmente o que resta é a belíssima poesia e música de Gonzaguinha:…“ e a vida/e a vida o que é/diga lá meu irmão…
E uma das boas respostas é do próprio Gonzaguinha: “…sempre desejada/por mais que esteja errada/ninguém quer a morte/só saúde e sorte…. Talvez a vida não seja mesmo para exercícios filosóficos, caros ou rastaqueras. Talvez a vida seja mesmo uma dádiva que recebemos para …viver! Então, viva a vida! E não se esqueça de não atrapalhar a vida de ninguém. Deixe viver! E aproveite bem! Porque duas vidas mesmo, garantiu o Poeta Vinicius de Moraes, “só com certidão passada no cartório do Céu e assinado em baixo: Deus! Com firma reconhecida”!
Sem esquecer de agradecer quem nos alegra, e ontem foi a vez do Surfista Ítalo Ferreira, o primeiro atleta, do mundo, medalha de ouro olímpica no Surf! “Mais parabéns” ainda pelo fato de que, assim como o Skate de Rayssa, o Surf de Ítalo também sofre preconceito nesse retrógrado país. Surfistas e Skatistas eram, e ainda são, vistos por muitos como esportes de “quem não tem o que fazer”…. Gente que pensa assim, ainda bem, jamais vai ganhar medalhas, por qualquer coisa! Bem feito! Não que a Olimpíada esteja emocionando, mas ver brasileiros brilhando e dando alegria, gratuita, a muitos brazucas, sempre é bom! Mais ainda para um país de desmilinguidos. E outros, muitos também desiludidos…
Quirera Gourmet